Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
119/12.5SLLSB.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL E NÃO SUBSTANCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 20-09-2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1.A imposição da vinculação temática do processo decorre directamente da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente garantida.

2.São factos relevantes para a decisão os que têm de imperativamente ser objecto de deliberação do tribunal e abordados na sentença, em obediência aos artigos 368º, nº 2, alíneas a) a f) e 369º, o Código de Processo Penal.

3.Uma alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação.

4.Uma alteração não substancial constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformam o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e pontual, sem relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal.

5.Não há alteração substancial ou não substancial dos factos da acusação ou da pronúncia quando os factos referidos se traduzem em meros factos concretizantes da actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. Após a audiência de julgamento, o tribunal singular na secção criminal da Instância Local de Lisboa proferiu a sentença que termina com o seguinte dispositivo (transcrição):

“Pelo exposto, decide-se julgar a pronuncia procedente por provada e, em consequência:
a)- Condenar o arguido O.S.E. como co-autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 26º, 203º, nº1 e 204º, nº1, al. b) e nº 2, al. g), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos com regime de prova;
b)- Condenar o arguido P.M.R. como co-autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 26º, 203º, nº1 e 204º, nº1, al. b) e nº 2, al. g), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
c)- Condenar o arguido P.J.R. como co-autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 26º, 203º, nº1 e 204º, nº1, al. b) e nº 2, al. g), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos com regime de prova;”

O arguido O.S.E. interpôs recurso da sentença e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição “ipsis verbis”, cfr. fls. 613 a 620):
“1a. Verifica-se erro notório de apreciação dos factos (art°. 410°. n°. 2 c) do CPP.) uma vez que, quer a indiciação; quer a acusação; quer ainda a pronúncia referem que a conduta ocorreu fora do eléctrico, quando o ofendido se preparava para subir as escadas e consequentemente entrar no eléctrico.
2a. Porém, a sentença dá como provado que a conduta ocorreu quando o ofendido, dentro do eléctrico, se preparava para sair do mesmo.
3a. Teve lugar qualquer alteração dos factos, situação que, face ao disposto nos art°s 358°, 359°. n°s 1 a 4 em conjugação com o que determina o art°. 283°. n°. 3 do CPP. impõe a nulidade da sentença, porque o Trib. “a quo” deu como provados novos factos, sem alteração.
4a. Nos actos processuais utiliza-se a língua portuguesa (art°. 92°. n°. 1 do CPP.). O ofendido é Espanhol, não dominando a língua portuguesa. Não foi nomeado interprete como o impõe o n°. 2 do art°. 92°. do CPP. O Trib. oficiosamente não fez comparecer o ofendido em Tribunal na audiência de julgamento.
5a. Logo, ao arguido foi impossível, perante o ofendido, arguir a nulidade da alínea c) do n°. 2 do art°. 120°. do CPP. (sanável) que perante tal falta se converteu em nulidade insanável de acordo e nos termos em que foi violado o art°. 32°. n°. 1 da CRP., na medida em que, a falta do ofendido impossibilitou o arguido de provar que este não domina a língua portuguesa.
Termos em que se deve julgar nula a sentença recorrida.”

O arguido P.J.R. apresentou igualmente recurso com as seguintes conclusões (transcrição “ipsis verbis”, cfr. fls. 664 a 682) :
“1. A douta sentença recorrida cometeu Erro de análise na valoração da prova documental (Fotogramas) com Violação do artigo 127.º do CPP por mero erro interpretativo. Não se descortinando o recorrente nessas imagens, as mesmas não poderiam contribuir, fosse de que maneira fosse, para a sua condenação.
2. Nulidade prevista no artigo 374 n.º 2 do CPP (foi cometida a nulidade de omissão de pronúncia consubstanciada na ausência de exame crítico deste meio de prova documental: FOTOGRAMAS de fls 194 a 204 dos autos) Já que , apesar da apontada "supra" declaração de princípios (a afirmação, aliás redundante, de que a prova documental constante dos fotogramas será avaliada pelo Tribunal como são todas as provas) - SIC a douta sentença nada mais adianta.
3. Foi cometida a Nulidade processual de excesso de pronúncia
-nulidade do artigo 379º n.º 1 alínea c) do CPP - Violação do artigo 355º do CPP porquanto na Fundamentação sob a epígrafe FACTOS PROVADOS - a pag 2. - da recorrida sentença, considera-se provado no seu 3º parágrafo que o "arguido P.J.R. olhava à volta certificando-se que não se encontravam elementos policiais nas imediações".
4-Mas, mais adiante, em sede de MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO, (pag 7 e segs) nunca se refere que algum dos agentes inquiridos tenham assistido a esse agir ilícito do arguido consubstanciado na apontada asserção de "vigia" e de "auxiliador" do furto.
5-Sendo que os outros dois agentes inquiridos, porque nada viram do furto, nada podem acrescentar a tal propósito, não fazendo qualquer referência à alegada circunstância do  P.J.R. "estar de vigia, ou a auxiliar outro co-arguido e muito menos a "certificar-se que não se encontravam elementos policiais nas imediações".
6-Pelo que a sentença conheceu do que não podia conhecer.
7-DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. Pontos de facto incorretamente julgados (artigo 412º n. 3 al. a) do CPP São os seguintes: FACTOS PROVADOS: item l.º, 2º, 3º, (a pag.2)  4º, 6º (restrito à expressão "que conseguiu fugir- (o  P.J.R.), 8º (no respeitante ao recorrente), 9º ( a pag. 3)10º item (a pag. 4 da douta sentença).Estes pontos mostram-se incorrectamente julgados como se alegou "supra", nesta Motivação, dando aqui como reproduzidos todos os argumentos nela aduzidos.

8-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (art.9 412.9n.9 3 alínea b) do CPP) são as seguintes:
a)- Depoimentos das testemunhas agentes da PSP, JDC, LFS e LVS. Fotogramas de fls. 194 a 204 dos autos.
Em síntese dir-se-á que como decorre das transcrições feitas (gravação digital "supra" referenciada e transcrita e bem assim do conteúdo do próprio texto da decisão recorrida), as provas trazidas ao tribunal (nomeadamente o depoimento dos agentes da PSP dada a sua fraca razão de ciência e sendo certo que (nenhuma das testemunhas assistiu ao furto dos autos), imporiam a absolvição do arguido  P.J.R..
b)- Incorrecta valoração dos fotogramas insertos nos autos, com não acolhimento da tese veiculada no douto aresto do STJ de 15 Março de 2007 (in Coletânea de Jurisprudência nº 198 - Tomo 1/ 2007 (e ao qual o mandatário do recorrente fez alusão em suas alegações e que com a devida vénia se transcreve:
"A fotografia não é um meio absoluto de identificação, não podendo, por isso, alguém ser condenado, por ter sido identificado através duma fotografia"
c)- Contradição da fundamentação: Inquirido em audiência a testemunha  LVS  (agente da PSP), refere a instâncias da Digna Procuradora que o questiona nos seguintes termos:
"Mas houve um arguido que não foi interceptado, não é assim senhor agente"? (Sessão de 21.09.2016 - Ficheiro Audio 20160921115748 - aos 20m 15s de inquirição (início às 11hS8rninl7s)
Testemunha: Certo
Testemunha: Que eu tenha presente, não.
Ora, a fls.9 a douta sentença afirma que que a 2.9 testemunha   (agente PSP) "percebeu como os arguidos foram identificados pelos mesmos" (pelos cidadãos espanhóis), o que é absolutamente contrário ao afirmado pela testemunha, também ela agente da PS  LVS ! (Depoimento "supra" transcrito).

9. Por  isso, ao sustentar um juízo de culpabilidade com base em prova testemunhal desta natureza, optando pela formulação de um juízo de culpabilidade contra o recorrente, a instância violou, ainda por mero erro interpretativo o disposto nos artigo 127º e 355 do CPP bem como o princípio “in dúbio pro reo".
10. Foi ainda cometida, na sentença, a Nulidade do Excesso de Pronúncia na qualificação do crime de furto: uso in devido da agravação do artigo 204º n.º 2 alínea g) (alegada existência de bando).Pela simples razão que nenhuma prova foi produzida em audiência acerca dessa matéria.
11. Sempre sem conceder, na eventual fixação da Medida da Pena (o que apenas se alega por mera cautela), houve violação do artigo 41º, 70º e 72º n.º 2 alínea d) do Código Penal
12. A pena aplicada é muito exagerada e verdadeiramente desproporcionada. Não nos esqueçamos que o Tribunal está a julgar um facto ocorrido há mais de quatro anos e meio e nem a mínima referência se faz a tal propósito... o decurso de muito tempo passado sem que o seu autor haja reincidido é caso de atenuação especial da pena nos termos do artigo 72.º n.º 2 alínea d) do Código Penal. O que a instância não cuidou de aplicar.
13. Assim, foi violado, pela instância e por mero erro interpretativo, o disposto nas seguintes disposições legais: o artigo 40º o artigo 71º e o artigo 72º nº 2 alínea d) do Código Penal.
14. Por isso, mesmo em caso de condenação, - o que por mera hipótese de raciocínio se deve aceitar - a pena, uma vez feita a necessária desqualificação da alínea g) do 204.2 nº 2 do CP deveria ser a de multa, que se entenderia razoável fixar próximo do seu limite mínimo, em 100 dias a 5€/dia dada a fraca condição económica do recorrente.
Pelo que, não tanto pelo ora alegado como pelo que Vossas Excelências hão-de suprir, deverá a audiência ser anulada pela existência da apontada nulidade insuprível e o julgamento repetido e mesmo que assim se não julgue (o que se requer sem conceder) seja a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que, por mais douta e acertada, decida como peticionado e absolva o recorrente do crime pelo qual foi ainda assim condenado, condenando-o pelo crime de consumo de droga.”

O Ministério Público, por intermédio da Exm.ª magistrada na Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, formulou resposta concluindo que deverá ser negado provimento aos recursos e mantida a sentença recorrida (fls. 705 a 709 e 711 a 717).

No momento processual a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por intermédio da Exm.ª procuradora-geral adjunta, emitiu parecer que termina nos seguintes termos (transcrição):
“Em síntese, face ao entendimento jurisprudencial citado no que tange à caracterização da figura do "bando" e da actuação de um dos membros do bando com sentido de pertença a um grupo concreto que atua com a finalidade de praticar reiteradamente crimes contra o património, afigura-se não se comprovar nos presentes autos a existência da agravante qualificativa prevista na alínea g) do n°2 do art. 204° do CP.
Assim sendo, subsistindo a qualificação do furto apenas pela circunstância agravante prevista na alínea b) do n°l do art. 204° do CP, furto esse cometido na forma de co-autoria material, afigura-se que a medida da pena a aplicar a cada um dos citados arguidos /recorrentes O.S.E.  e  P.J.R. se deverá situar em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período , com sujeição a regime de prova.”

Em decisão liminar, o relator rejeitou o recurso interposto pelo arguido  P.M.R. (cfr. fls. 735 e 736).

Recolhidos os “vistos” e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão (transcrição parcial):
“No dia 31 de Julho de 2012, pelas 11 horas e 10 minutos, os arguidos deslocaram-se ao Eléctrico da Carris n°502, carreira n°15, o qual circula em Lisboa, com o propósito de se apoderar de bens que os passageiros transportassem consigo;
-Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar viajavam também JS e a sua mulher  MM, ambos turistas, de nacionalidade espanhola;
-Quando o eléctrico se encontrava junto à paragem do Cais do Sodré, o arguido  P.M.R. colocou-se na retaguarda do ofendido JS, estando auxiliado pelo arguido  P.J.R. que olhava à volta certificando-se que não se encontravam elementos policiais nas imediações;
-Após, o arguido  P.J.R. colocou-se à frente do casal para os impossibilitar de sair no eléctrico, momento em que o arguido  P.M.R. retirou a JS a sua carteira, marca “Pielnoble”, no valor de €90,00 (noventa euros), a qual continha no seu interior €190,00 (cento e noventa euros) em numerário, um documento de identificação e quatro cartões de crédito/débito;
-Acto contínuo, o arguido  P.M.R. entregou a carteira ao arguido O.S.E. ;
-No local encontravam-se elementos da PSP que surpreenderam os arguidos tendo detido O.S.E. e P.M.R., não tendo contudo logrado deter o arguido  P.J.R. que conseguiu fugir;
-JS recuperou a carteira juntamente com os documentos pessoais, cartões e dinheiro que se encontravam no seu interior;
-Ao agirem do modo supra descrito, os arguidos previram e quiseram, em conjugação de esforços e unidade de meios e fins, enquanto membros de um bando, aceder ao citado transporte público por forma a retirar e levar consigo a carteira pertencente ao ofendido, com o propósito de a fazerem sua, sabendo que a mesma não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o que conseguiram;
-Enquanto membros de um bando, os arguidos têm, cada um deles, uma função específica, enquanto um vigia o local e empurrava a vítima (o arguido  P.J.R.), o outro retirava a carteira ao ofendido (o arguido  P.M.R.) e entregava-a ao outro arguido (o arguido O.S.E. );
-Os arguidos recorrem ao furto de carteiras como meio de garantir a sua subsistência, actuando sempre em bando, sendo que têm especial preferência pelos transportes públicos onde viajam turistas, onde permanecem com um único fito de cometer este tipo de crimes;
-No âmbito dos factos supra descritos foi o arguido  P.M.R., no dia 1 de Agosto de 2012, pelas 15 horas e 18 minutos, no 5º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido e assim interrogado na qualidade de arguido;
-Nesta diligência, e após ter sido advertido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal Dr. J.B. de que era obrigado a responder com verdade quanto aos seus antecedentes criminais, o arguido declarou nunca respondeu em Tribunal, nem esteve preso;
-Bem sabia o arguido que tal declaração era falsa, porquanto havia também sido julgado:
-no 1º Juízo, Ia Secção do Tribunal Criminal de Lisboa, no processo comum singular n°45/09.5 SOLSB e condenado pela prática de crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203°, n°l do Código Penal, praticado em 25.07.2009, numa pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) perfazendo um total de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) por sentença transitada em julgado no dia 17.01.2011;
-Quis prestar aquela declaração, bem sabendo que não era verdadeira e depois de advertido da obrigação de falar com verdade quanto a tais factos, sabendo que, com a mesma, iludia as autoridades judiciárias quanto a tal facto;
-No âmbito dos factos supra descritos foi também o arguido O.S.E. no dia 1 de Agosto de 2012, pelas 15 horas e 26 minutos, no 5º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido e assim interrogado na qualidade de arguido;
-Nesta diligência, e após ter sido advertido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal Dr. J.B. de que era obrigado a responder com verdade quanto aos seus antecedentes criminais, o arguido declarou nunca respondeu em Tribunal, nem esteve preso;
-Bem sabia o arguido que tal declaração era falsa, porquanto havia também sido julgado:
-no 3o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, no processo comum singular n°l 644/06.2 PCSTB e condenado pela prática de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203°, n°l do Código Penal, praticados em 17.12.2006 e 23.12.2006, em cúmulo jurídico, numa pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros) perfazendo um total de €1.050,00 (mil e cinquenta euros) por sentença transitada em julgado no dia 13.07.2009;
-Quis prestar aquela declaração, bem sabendo que não era verdadeira e depois de advertido da obrigação de falar com verdade quanto a tais factos, sabendo que, com a mesma, iludia as autoridades judiciárias quanto a tal facto;
-Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente;
-Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por Lei;
-O arguido O.S.E. é casado e tem três filhos de 40 (quarenta), 38 (trinta e oito) e 31 (trinta e um) anos de idade que não dependem economicamente dele;
-O arguido é empregado de pensão mas actualmente está reformado;
-O arguido recebe mensalmente uma reforma de €400,00 (quatrocentos euros);
-O arguido tem a 4a classe de escolaridade;
-O arguido não tem antecedentes criminais;           
-O arguido  P.J.R. é solteiro e não tem filhos;
-O arguido é servente de pedreiro mas actualmente está reformado por invalidez;
-O arguido recebe mensalmente €238,28 (duzentos e trinta e oito euros e vinte e oito cêntimos) de reforma;
-O arguido tem a 2a classe de escolaridade;
-O arguido não tem antecedentes criminais;
-Por sentença de 03.12.2010, transitada em julgado a 17.01.2011, proferida no âmbito do processo comum singular n°45/09.5 SOLSB do Io Juízo e Ia Secção do Tribunal de Lisboa foi o arguido  P.M.R. condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) pela prática em 25.07.2009 de um crime de furto simples - por despacho de 03.11.2011 foi declarada extinta a pena pelo pagamento;
-por acórdão de 22.06.2015, transitado em julgado a 12.10.2015, proferido no âmbito do processo comum colectivo n°160/14.3 PYLSB do Tribunal da Comarca de Lisboa - Ia Secção Criminal - Juiz 15 - foi o arguido  P.M.R. condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por 3 (três) anos com regime de prova pela prática no ano 2013 de dois crimes de furto qualificado.
Consta ainda o seguinte na sentença recorrida (transcrição):
Não se provou que:
-Quando o eléctrico se encontrava junto à paragem do Cais do Sodré e o ofendido JS e a sua mulher se preparavam para subir as escadas do mesmo, o arguido  P.M.R. colocou-se na retaguarda do ofendido, sendo auxiliado pelo arguido  P.J.R.;
-O arguido  P.J.R. colocou-se à frente do casal para os impossibilitar de entrar no eléctrico;
-O arguido O.S.E.  escondeu a carteira por debaixo de um saco, de cor verde, que transportava a tiracolo.”
Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, consta o seguinte (transcrição):
“Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada, foram determinantes as declarações das testemunhas JDC, LFS LVS e LFS, LVS, todos Agentes da PSP, que explicaram os factos de forma que se afigurou credível.
O arguido O.S.E.  negou a prática dos factos de que vinha pronunciado mas explicou a sua condição económica e familiar.
O arguido  P.J.R. não prestou declarações sobre os factos de que vinha pronunciado mas explicou a sua condição económica e familiar.
A primeira testemunha, Agente da PSP JDC, explicou como estando à espera do eléctrico n°15 na paragem do Cais do Sodré para ir trabalhar viu-o chegar e abrirem-se as portas de entrada e viu ainda o arguido O.S.E. , dentro do eléctrico, com uma carteira na mão que lhe havido sido passada pelo arguido  P.M.R..
A testemunha explicou que viu o arguido  P.M.R. passar a carteira ao arguido O.S.E.  assim como viu um indivíduo de nacionalidade espanhola a queixar-se que lhe faltava a carteira.
Explicou a testemunha como viu que os arguidos estavam voltados para a porta de entrada do eléctrico indicando o posicionamento dos mesmos tendo explicado que viu o arguido O.S.E.  à direita, o arguido  P.M.R. ao centro e o arguido  P.J.R. à esquerda e que percebendo que haviam furtado a carteira ao cidadão espanhol interceptou-os e comunicou aos colegas que um havia fugido assim como explicou como na carteira que o arguido O.S.E.  tinha mão viu um documento com fotografia (que não era a do arguido), cartões de crédito e dinheiro e ainda explicou que a carteira foi devolvida ao cidadão espanhol assim como explicou que o arguido  P.M.R. foi interceptado por colegas seus.
O segundo Agente da PSP – LFS - explicou como estando no Cais do Sodré deslocando-se para o trabalho e vendo estar a chegar um eléctrico n°15 resolver ir “apanhá-lo” deslocando-se da traseira do eléctrico para a porta, vendo muitas pessoas para entrarem e outras que dentro do eléctrico saiam, mas tendo visto o seu colega JDC, mais à frente, foi até ao pé dele e aí chegado o colega disse-lhe o que vira em relação ao arguido com a carteira na mão assim como viu um casal de espanhóis muito agitados porque tinham sido vítimas de furto e ainda viu o arguido O.S.E.  ali e soube que os outros dois arguidos, P.J.R. e P.M.R., tinham encetado fuga do local pelo que resolveu ficar com as duas vítimas e pelo telefone pessoal e sabedor da presença próxima de agentes da PSP comunicou a ocorrência à brigada de haverem dois suspeitos de furto em fuga como informação que lhe foi dada pelo colega JDC dos nomes e fisionomia que momentos depois foram interceptados.
Mais explicou a testemunha que falou com os cidadãos espanhóis para compreender como fora feito o furto da carteira pelos arguidos e percebeu como os arguidos foram identificados pelos mesmos assim como eles explicaram como os arguidos actuaram com o senhor estrangeiro a explicar-lhe como sentiu que lhe tiravam a carteira assim como identificou os arguidos que estavam junto deles aquando da entrada/saída do eléctrico.
A testemunha explicou que viu no interior da carteira dinheiro (mais ou menos cento e noventa euros) e documentos e que tendo-os visto não lhe suscitou nenhuma dúvida de que pertenciam àquela pessoa e que lhe devolveu a carteira.
A terceira testemunha, Agente da PSP, LVS, explicou que deu apoio ao seu colega quando chegou à paragem do eléctrico onde aí viu o arguido O.S.E.  e um casal de espanhóis que tinham sido vítimas de furto assim como lhe foi dito que o furto havia sido praticado por três indivíduos e que só um estava no local tendo sido feito contacto com a central a informar a fuga dos dois arguidos, dando as suas características, para serem interceptados.
Mais explicou a testemunha que a carteira que havia sido furtada estava na mão do seu colega autuante que lhe comunicou que tinha presenciado o arguido a passar a carteira a outro arguido que ficou com ela na mão e que viu no interior da carteira documentos pessoais e cento e poucos euros em dinheiro tendo devolvido a carteira ao dono.
Atento o depoimento da primeira testemunha, o Tribunal verifica que este agente da PSP quando se preparava para entrar no eléctrico n°15 no Cais do Sodré para ir para o trabalho e esperava que as portas se abrissem para entrar viu o arguido O.S.E. , dentro do eléctrico, com uma carteira na mão que lhe havido sido passada pelo arguido  P.M.R. - a testemunha viu o passar a carteira de um arguido para outro assim como viu a posição dos arguidos que também foi indicada pelo casal de cidadãos turistas de nacionalidade espanhola.
O casal de turistas explicou como os arguidos haviam furtado a carteira e o agente de autoridade viu a actuação e posição dos arguidos em relação ao casal pelo que fazendo apelo à sua experiência profissional percebeu tratar-se um grupo de indivíduos que em bando praticava furtos e a quem conhecia da sua actividade profissional como fazendo furtos em transportes colectivos de Lisboa designadamente no eléctrico n°15 da CARRIS que como se sabe é habitualmente frequentado por cidadãos estrangeiros turistas que visitam a cidade de Lisboa.
Atento o depoimento claro, preciso e coerente das testemunhas que são agentes da PSP quanto ao que viram e que descreveram assim como vendo os fotogramas que constam de fls. 194 a 204 dos autos, o Tribunal verifica que os arguidos actuaram como um bando, um grupo de pessoas que se juntam para praticarem crimes contra o património sem estrutura de comando mas que em conjugação de esforços e unidade de meios e fins, naquele dia e hora acederam ao eléctrico n°15, do transporte público, para retirarem e levarem consigo a carteira pertencente ao ofendido, com o propósito de a fazerem sua, sabendo que a mesma não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono, o que conseguiram.

Atendendo aos fotogramas e ao depoimento das testemunhas ao descreverem o que viram designadamente a posição dos arguidos e a sua actuação, o Tribunal não tem dúvidas que a posição dos arguidos não foi ocasional e que os arguidos actuaram em bando e enquanto membros de um bando, os arguidos tinham, cada um deles, uma função específica, de um vigiar o local e empurrar a vítima (o arguido  P.J.R.), o outro retirar a carteira ao ofendido (o arguido  P.M.R.) e entregá-la ao outro arguido (o arguido O.S.E. ).

Atentas das declarações dos dois arguidos presentes em audiência de julgamento quanto às suas situações económicas e familiares e ao conhecimento comum de actuação nos eléctricos frequentados por turistas acompanhada pelas declarações da primeira testemunha sobre a actuação dos arguidos no transporte público que não se acredita ter sido mera coincidência de estarem posicionados como estavam num eléctrico n°15 que estava “cheio” de pessoas umas encostadas às outras, o Tribunal verifica que os arguidos, com os papeis de actuação que tiveram e viram vistos, previamente combinados, recorrem ao furto de carteiras como meio de garantir a sua subsistência, actuando em bando, sendo que têm especial preferência pelos transportes públicos onde viajam turistas, onde permanecem com um único fito de cometer este tipo de crimes.

O Tribunal não compreende a dúvida do Mandatário do arguido  P.J.R. quanto ao conhecimento dos arguidos pelas testemunhas no âmbito da sua actividade profissional e da actuação dos arguidos nos transportes públicos frequentados por turistas pois como se sabe a actuação das forças de segurança também é feita quando os agentes não estão uniformizados, como vulgarmente se diz “à civil”, e até estando no meio de outras pessoas vêm a actuação dos arguidos noutras ocasiões assim como sabem quais os crimes pelos quais já foram julgados e condenados como aliás é mencionado no despacho de acusação de fls. 221 a 225 mas sem ter havido pronuncia no despacho de fls. 278 a 283 quando à prática pelos arguidos O.S.E.  e  P.M.R. de crimes de falsidade de declaração, previsto e punido pelo artigo 359°, n°2 do Código Penal.

Em relação à alegada nulidade quanto à queixa apresentada pelos cidadãos estrangeiros feita pelos Mandatários dos arguidos O.S.E.  e  P.M.R. o Tribunal não vai pronunciar-se sobre a mesma na presente sentença pois o Mandatário do arguido O.S.E.  já a invocou na sessão da audiência de julgamento de 21 de Setembro de 2016 e nessa sessão de audiência foi decidida por despacho pelo que o Tribunal não vai de novo pronunciar-se sobre a alegada nulidade já invocada e já decidida por despacho.

Em relação às quatro versões dos factos que o Mandatário do arguido O.S.E.  alega existirem que são as do auto de notícia, a do arguido O.S.E. , a do Agente da PSP JDC  e a dos fotogramas, o Tribunal entende inexistirem pois no auto de notícia de fls. 2 a 5 dos autos estão descritos os factos que alegadamente foram presenciados por agente autuante que consubstanciam a prática de crime que vai investigado em inquérito e no final do mesmo o Ministério Público face aos elementos que recolhe poderá decidir designadamente por acusar em despacho de acusação que sendo notificado aos arguidos podem os requerer a abertura de instrução e o Mmo. Juiz de Instrução após diligências de prova pode proferir despacho de pronúncia pela prática dos crimes que constam do despacho de acusação ou por alguns desses crimes que constam do despacho de acusação e nos presentes autos foi proferido despacho de pronúncia dos arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado mas dois dos arguidos supra mencionados não foram pronunciados pela prática de um crime de falsidade de declaração em que foram acusados no despacho de acusação de fls. 221 a 225.

Por outro lado, o arguido em audiência de julgamento pode prestar declarações sobre os factos de que vem acusado mas apenas em relação às perguntas sobre a sua identidade é que é obrigado a falar com a verdade sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal pelo que a explicação que dá sobre os factos pode não ser a mesma que consta do despacho de acusação ou do despacho de pronuncia e no caso as declarações do arguido de que não praticou o crime de que vinha pronunciado estão em oposição ao que as testemunhas de acusação viram e descreveram em audiência de julgamento que mereceram credibilidade como supra mencionado e por isso as do arguido não mereceram credibilidade ao Tribunal.

Em relação às declarações da testemunha JDC  foram as do que viu quanto aos factos de que os arguidos vinham pronunciados e os fotogramas que constam dos autos não são qualquer versão dos factos mas imagens do sistema de videovigilância do eléctrico onde os arguidos se deslocavam e que são valoradas tal como todas as provas e que são analisadas tal como são todas as provas pelo que improcedem as alegadas quatro versões dos factos.

Foram tidos em consideração os documentos de fls. 2 a 5 (auto de notícia), 12 a 14 (auto de denúncia), 19 a 20, 23 a 26 (auto de apreensão), 21 e 107 (termo de entrega), 22 e 108 (auto de exame e avaliação), 194 a 204 (auto de visionamento), 497, 492 a 495 e 496 (certificados de Registos Criminais dos arguidos quanto aos seus antecedentes criminais).

Quanto aos factos não provados tal deve-se à ausência de prova.”
3. O arguido O.S.E. suscita a ocorrência de nulidade da sentença, invocando que o tribunal decidiu considerar provada matéria de facto distinta da que constava quer da pronúncia, quer da acusação, sem que tivesse sido efectuada prévia comunicação ao arguido nos termos do artigo 358º do Código de Processo Penal. A questão suscitada relaciona-se com o problema da definição e delimitação dos poderes de cognição do tribunal e, desde logo, com o princípio da identidade: a acusação e a pronúncia definem o objecto do processo que se deve manter idêntico até à sentença definitiva.

Como tem sido salientado, a imposição de uma vinculação temática decorre directamente da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente garantida, assente numa clara distinção de tarefas e uma diferenciação nítida entre a entidade ou órgão que investiga e deduz a acusação, por um lado, e o tribunal que irá proceder ao julgamento, por outro. Segundo Figueiredo Dias, “a imparcialidade e objectividade que, conjuntamente com a independência, são condições indispensáveis de uma autêntica decisão judicial, só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não tenha também funções de investigação preliminar e acusação das infracções, mas antes possa apenas investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado” (in Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra, 1981, pags. 136 e 137).

Por outro lado, a vinculação temática do tribunal terá sempre de ser analisada enquanto importante garantia de defesa, ou seja, como um meio imprescindível para assegurar o conhecimento pelo arguido de todos os factos imputados e para lhe permitir o eficaz exercício dos direitos de contraditoriedade e de audiência; Tudo isto, porém, sem frustrar as exigências de investigação criminal, de protecção dos bens e valores fundamentais da comunidade e realização da justiça no caso concreto.

Como escreveu Castanheira Neves, a delimitação do objecto do processo deverá orientar-se decerto no sentido de constituir uma “ garantia para uma defesa pertinente e eficaz, segura de não deparar com surpresas incriminatórias e de ter assim um julgamento leal”, sem perder de vista a necessidade de assegurar um justo equilíbrio entre esse direito do acusado e o interesse publico na aplicação do direito e da eficaz perseguição e condenação pelos delitos cometidos. Salienta o mesmo Autor que a identidade do objecto do processo não se poderá definir tão rígida e estreitamente que impeça um esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade, mas não deverá também ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar” (Sumários de Processo Criminal 1967/1968, Coimbra, in Textos AAFDL 1992, pag. 135 a 138).

Nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, fica invalidada por nulidade a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou da pronúncia, fora dos casos e das condições previstas no art. 358º, n.º 1, do C. de Processo Penal.

Ultrapassada uma concepção meramente naturalística e psicológica, a doutrina dominante reconhece que neste âmbito facto enquanto conceito processual  será um “pedaço global da vida” delimitado no tempo e no espaço, um “acontecimento histórico mas nele incluindo todos os acontecimentos com ele ligados, do qual deriva a acusação admitida ” (vide Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos no Processo Penal Português, Almedina, 1992, p. 79 a 84).

A concretização dos elementos úteis para a definição do que se deverá entender por “factos relevantes para a decisão” pode validamente encontrar-se por recurso ao elenco das questões que imperativamente são objecto de deliberação do tribunal e abordadas na sentença, em obediência ao disposto nos artigos 368º, nº 2, alíneas a) a f) e 369º, ambos do Código de Processo Penal (vide, neste sentido, mas restrito ao primeiro dos artigos citados, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 03-02-2010, rel. Custódio , in www.dgsi.pt).

Assim, terão de ser comunicados ao arguido, para efeito de eventual defesa, os novos factos importantes ou relevantes para concluir se se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime, se o arguido praticou o crime ou nele participou, se o arguido actuou com culpa, se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa, se se verificam quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança, se se verificam os pressupostos de que depende o arbitramento de uma indemnização e, por ultimo, mas seguramente não menos importante, para a escolha da espécie e determinação da medida concreta da sanção a aplicar.

A alteração substancial dos factos” significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa”, sendo que “pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

Quanto à “alteração não substancial” constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal; a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa.

Ainda assim, não há alteração substancial ou não substancial dos factos da acusação ou da pronúncia quando os factos referidos se traduzem em meros factos concretizantes da actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas ou na estratégia da defesa do arguido.

No caso concreto destes autos, a descrição fáctica constante da acusação, que neste âmbito transitou incólume para a pronúncia, é a seguinte:
“No dia 31 de Julho de 2012, pelas 11H10, os arguidos, deslocaram-se ao Eléctrico da Carris, n.º 502, carreira n.º 15, o qual circula em Lisboa, com o propósito de se apoderar de bens que os passageiros transportassem consigo.
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar viajavam também JS e a sua mulher  MM, ambos turistas, de nacionalidade espanhola.
Quando o eléctrico se encontrava junto à Paragem do Cais do Sodré e o ofendido JS e a sua mulher se preparavam para subir as escadas do mesmo o arguido  P.M.R. colocou-se na retaguarda do ofendido, sendo auxiliado pelo arguido  P.J.R. que olhava à volta certificando-se que não se encontravam elementos policiais nas imediações.
Após, o arguido  P.J.R. colocou-se à frente do casal para os impossibilitar de entrar no eléctrico, momento em que o arguido  P.M.R. retirou a JS a sua carteira, marca "Pielnoble", no valor 90 €, a qual continha no seu interior 190 € em numerário, um documento de identificação e quatro cartões de crédito/débito. 

Acto contínuo, o arguido  P.M.R. entregou a carteira ao arguido O.S.E. que a escondeu por debaixo de um saco, de cor verde, que transportava a tiracolo.

No local encontravam-se elementos da PSP que surpreenderam os arguidos tendo detido O.S.E. e  P.M.R., não tendo contudo logrado deter  P.J.R. que conseguiu fugir.

JS recuperou a carteira juntamente com os documentos pessoais, cartões e dinheiro que se encontravam no seu interior.” (cfr. fls. 221, 222 e 282 a 283)

Perante esta descrição, tendo em conta que os ofendidos se “preparavam para subir as escadas  do eléctrico e que o arguido  P.M.R. colocou-se à frente do casal para os impossibilitar de entrar no eléctrico e que terá sido nesse preciso momento que o arguido P.M.R. retirou a carteira do ofendido, temos como inequívoco que nos termos da pronúncia os factos susceptíveis de integrarem a subtracção no furto ocorreram no exterior do eléctrico, ainda no local destinado à paragem do veículo e entrada dos passageiros.

Porém, o tribunal veio a julgar como não provados os factos susceptíveis de situarem a subtracção da carteira no exterior  e no  momento em que o ofendido e a sua  mulher pretendem entrar no eléctrico, depreendendo-se agora claramente do elenco da matéria de facto provada e da motivação (designadamente na alusão aos fotogramas) que se condena os arguidos por terem retirado a carteira, mas actuando no interior do eléctrico, onde arguidos e ofendido já se faziam transportar.

Temos como inequívoco que o local da prática dos factos imputados na sentença é diferente do que constava na pronúncia.

Assim como é diferente a posição relativa de arguidos e ofendido.

Esta alteração não modifica o quadro factual descrito na acusação em outro manifestamente diferente quanto aos elementos essenciais do comportamento das pessoas envolvidas ou do objecto da apropriação e por isso não conduz a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Contudo, sendo factos distintos também não constituem meras “concretizações “ ou especificações”.

Sendo relevante para a organização da defesa dos arguidos que lhes seja imputado um comportamento no interior de determinado veículo em movimento ou no local da paragem para entrada e saída de passageiros. Para um ou outro caso, podem ser apresentados meios de defesa bem diferentes.

Nestes termos, a sentença destes autos evidencia uma alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia, pelo que devia ter havido comunicação em obediência ao disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código do Processo Penal.

Assim não procedeu o tribunal e a alteração da qualificação jurídica não pode deixar de ser considerada como uma decisão surpresa, que contraria o princípio do acusatório e põe em causa as garantias de um processo leal e equitativo.

A falta dessa comunicação implica a nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do Código do Processo Penal, tal como tempestivamente suscitada em recurso.

Deve assim declarar-se a nulidade da sentença, impondo-se a reabertura da audiência de julgamento, a fim de ser efectuada a comunicação omitida e concedido prazo para a defesa, com eventual produção de prova e novas alegações, sendo, depois, proferido nova sentença.

Em face da invalidade da sentença, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos recursos

4. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a questão prévia e, em consequência, declaram a nulidade da sentença recorrida nos termos acima expostos, determinando a reabertura da audiência a fim de ser comunicada a alteração não substancial dos factos e, se requerido, concedido prazo para a defesa nesse âmbito, após o que deverá ser proferida nova sentença.
Sem tributação.



Lisboa, 20 de Setembro de 2017.



Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.



João Lee Ferreira
Nuno Coelho