Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EDUARDA LOBO | ||
Descritores: | INQUÉRITO NULIDADE DEPENDENTE DE ARGUIÇÃO PRAZO PARA ARGUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP201402269585/11.5TDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 26-02-2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Cabe ao Ministério Público conhecer e decidir a arguição de inexistência, nulidade ou irregularidade de ato respeitante ao inquérito, mediante despacho passível de reclamação para o respetivo superior hierárquico. II – Tratando-se de uma nulidade sanável suscetível de afetar direitos, liberdades ou garantias de algum sujeito processual e de se integrar na previsão da al. d ) do n.º 2 do art. 120.º do CPP, pode ser suscitada no prazo perentório previsto na al. c) do n.º 3 do mesmo artigo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 9585/11.5TDPRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia com o nº 9585/11.5TDPRT, o arguido B… veio arguir perante o Sr. Juiz de Instrução Criminal irregularidades/nulidades de procedimento alegadamente cometidas pelo Mº Público na fase de inquérito. Sobre tal requerimento recaiu o despacho proferido a fls. 479, em que a Srª. Juíza de Instrução Criminal do Porto se recusou a apreciar o requerimento apresentado pelo arguido, por entender carecer de competência para conhecer da factualidade alegada. Inconformado com o referido despacho, dele vem o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Não se alcança o fundamento de o despacho recorrido decidir pela incompetência do JIC, no presente caso; 2. O despacho recorrido interpreta os artºs. 17º, 268º, 269º e 286º a 288º CPP no sentido de não permitirem a impugnação judicial da decisão de uma reclamação hierárquica de um despacho do Mº Pº sobre invalidades processuais, praticado no quadro do inquérito; 3. Os artºs. 286º a 288º devem ser entendidos como impertinentes, no caso concreto; 4. No inquérito compete ao JIC praticar todos os atos que consubstanciem o exercício nele de funções jurisdicionais; 5. A declaração de invalidade ou irregularidade, no inquérito, tem natureza materialmente jurisdicional; 6. Compete ao JIC praticar ou sindicar todos os atos que contendam com direitos fundamentais, como é o caso dos referidos na conclusão anterior, quando suscitados pelo ou favoráveis ao arguido; 7. As conclusões anteriores fundamentam-se na conjugação do disposto nos artºs. 17º e 122º nºs 2 e 3, com o artº 268º nº 1 al. f) CPP; 8. Disposições assim violadas pelo despacho recorrido; 9. A norma que resulta da conjugação dos 3 artigos do CPP referidos na conclusão 7, deve ser interpretada como exposto nas conclusões 4 a 7; 10. O conceito “forte” de hierarquia do Mº Pº consagrado no artº 219º nº 4 CRP, implica o direito à reclamação hierárquica; 11. Tal direito, conjugado com o direito de petição reconhecido no nº 1 do artº 52º da Constituição, permite o uso simultâneo ou sucessivo dos mecanismos de reclamação dentro da hierarquia do Mº Pº e da impugnação judicial; 12. Questão diversa das enunciadas nas conclusões 4 a 10 é a possibilidade de reparação oficiosa de irregularidade processual (ou o poder de corrigir a situação) pelo Mº Pº do inquérito; 13. Tudo impondo, na procedência do presente recurso, que este Venerando Tribunal determine que a Srª. Juiz a quo decida quanto ao fundo dos requerimentos formulados. * Na 1ª instância, o Mº Público respondeu às motivações de recurso concluindo que deverá ser negado provimento ao recurso. * Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso e da confirmação do despacho impugnado. * Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P. veio o recorrente responder nos termos constantes de fls. 679 a 683. * Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. * II – FUNDAMENTAÇÃO * São as seguintes as ocorrências processuais relevantes com interesse para a apreciação do recurso: ● Em 28.05.2012 a Magistrada do Mº Público no DIAP do Porto deduziu acusação contra o arguido/ora recorrente B…, imputando-lhe a prática, em concurso real de três crimes de injúria agravada p. e p. nos artºs. 181º nº 1, 182º, 183º nº 1 e 184º, com referência ao artº 132º nº 2 al. l), todos do Cód. Penal. ● Em 06.07.2012 o arguido foi pessoalmente notificado da acusação. ● Por requerimento enviado em 10.07.2012 e dirigido ao Sr. Procurador da República, o arguido suscitou a “irregularidade” da falta do seu interrogatório antes de ser deduzida acusação; ● Em 24.09.2012 a Srª Procuradora-Adjunta titular do inquérito indeferiu o requerimento do arguido – cfr. fls. 242 e 243; ● Por requerimento enviado em 11.10.2012, dirigido ao Sr. Procurador-Geral Coordenador do DIAP do Porto, o arguido suscitou a intervenção hierárquica, formulando pedido de aclaração do despacho de 24.09.2012; ● Em 14.01.2013, o arguido requereu ao Sr. Juiz de Instrução Criminal do Porto que apreciasse o requerimento dirigido ao Sr. Procurador-Geral Coordenador, para a hipótese de este Magistrado se vir a julgar incompetente para conhecer da impugnação apresentada; ● Por despacho proferido em 20.03.2013 a Srª. Procuradora da República no DIAP do Porto indeferiu a reclamação hierárquica, tendo tal decisão sido notificada ao ilustre mandatário do arguido por carta registada enviada em 22.03.2013; ● No dia 05.04.2013 o arguido dirigiu novo requerimento à Srª. Procuradora da República suscitando irregularidades processuais no despacho proferido em 20.03.2013; ● Em 15.04.2013 o arguido dirigiu novo requerimento ao Sr. Procurador-Geral Adjunto Coordenador do DIAP do Porto pedindo que seja declarado nulo o despacho reclamado, “por incompetência do seu autor”; ● Tal requerimento veio a ser apreciado pela Srª. Procuradora da República (fls. 421 a 423) e pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto Coordenador (fls. 427 a 432), sendo por ambos indeferida a pretensão do arguido; ● Em 26.04.2013 o arguido enviou um requerimento ao Sr. Juiz de Instrução Criminal do Porto e um requerimento de igual teor ao Sr. Procurador da República no DIAP do Porto a reclamar do despacho proferido em 16.04.2013 pela Sr. Procuradora-Adjunta; ● Em 29.04.2013 o arguido remeteu novo requerimento ao “Juiz Presidente do Tribunal de Instrução Criminal do Porto”, pretendendo reclamar por nulidades/irregularidades e, por analogia, apresentar a reclamação prevista no artº 405º do C.P.P., dos despachos proferidos pela Srª. Procuradora da República. ● É na sequência deste último requerimento que é proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor: (transcrição) «Requerimentos que antecedem, formulados pelo arguido B…: O processo encontra-se em fase de inquérito, sendo que o titular dessa fase e “dominus” da investigação e da ação penal é o Mº Pº. As questões suscitadas nos requerimentos que antecedem foram já em parte objeto de despacho (fls. 371 e segs.), tendo ocorrido reclamação hierárquica (fls. 374 e segs.), sendo que, conforme se refere na promoção que antecede, tal reclamação não é suscetível de impugnação judicial – artigos 17º, 268º, 269º e 286º a 288º, do CPP. Não é assim o juiz de instrução competente para conhecer da factualidade alegada. Notifique.» * III – O DIREITO * O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]. No caso em apreço resulta das conclusões do recurso que a única questão que o recorrente pretende ver apreciada respeita à competência do juiz de instrução para conhecer de nulidades/irregularidades de procedimento praticadas pelo Ministério Público no decurso do inquérito. É sabido que o inquérito, fase preliminar do processo, é da competência do Ministério Público (arts. 53º nº 2 al. b), 263º nº 1 e 267º, do C. Processo Penal) e compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e respetiva responsabilidade, bem como descobrir e recolher provas, tudo em ordem à decisão sobre a acusação (artº. 262º nº 1 do mesmo código). No entanto, certos atos do inquérito só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução criminal. Compete ao juiz de instrução criminal, além do mais, praticar todos os atos que consubstanciem o exercício de funções jurisdicionais relativas ao inquérito (art. 17º, do C. Processo Penal). Tais atos encontram-se enumerados, de forma geral, nos artºs. 268º e 269º do C. Processo Penal). Mas, para além deles, outros encontramos dispersos no C. Processo Penal como sucede, a título meramente exemplificativo, com a admissão de assistente (art. 68º, nº 4) ou com a suspensão provisória do processo (art. 281º, nº 1). Tem sido controvertida a questão de saber se, na fase do inquérito, a competência para declarar a nulidade dos atos inválidos é exclusiva do juiz de instrução criminal ou se também o Ministério Público pode efetuar tal declaração com os consequentes efeitos. O Cons. Maia Gonçalves entende que a declaração de nulidade que afete ato processual durante o inquérito deve ser feita pelo Ministério Público, salvo se o ato afetado for da competência do juiz de instrução, devendo em consequência, o nº 3 do art. 122º, do C. Processo Penal ser interpretado extensivamente[3]. Para o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, na fase do inquérito, o Ministério Público e o juiz de instrução criminal têm ambos competência para declarar a nulidade ou irregularidade de um ato processual, competência que é restrita à ilegalidade dos atos da respetiva competência[4]. Já o Prof. Germano Marques da Silva, distinguindo entre declaração de invalidade e repetição ou reparação do ato inválido, entende que aquela declaração e a fixação dos seus efeitos apenas pode ser declarada pelo juiz, enquanto a repetição ou reparação do ato inválido pode ser efetuada, oficiosamente ou a requerimento, pela autoridade judiciária competente para a direção da fase em que a invalidade ocorreu[5]. No mesmo sentido se pronuncia João Conde Correia, para quem a declaração de nulidade tem carácter materialmente judicial, e porque na fase do inquérito compete ao juiz de instrução criminal praticar ou sindicar todos os atos que contendem com direitos, liberdades e garantias individuais, onde se inclui o conhecimento das nulidades[6]. Também os Acs. da R. de Coimbra de 07.02.1996, CJ, XXI, I, 51, da R. do Porto de 30.05.2001, CJ, XXVI, III, 241, e de Évora de 02.07.1996, CJ, XXI, IV, 296, seguiram este entendimento. Inclinamo-nos para a posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque e que já deixámos expressa no Ac. desta Relação do Porto de 15.02.2012, proferido no Proc. nº 36/09.6TAVNH.P1 e disponível em www.dgsi.pt, gentilmente citado pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer. Com efeito, tratando-se de ato respeitante ao inquérito, cuja direção cabe exclusivamente ao Mº Público (artº 219º da CRP), terá de ser este magistrado que decide se, nesta fase, um ato processual é ou não é inexistente, nulo ou irregular, e desse despacho caberá então reclamação para o respetivo superior hierárquico. A competência concorrente do Ministério Público e do juiz de instrução na fase de inquérito tem limites e eles resultam da estrutura acusatória do processo penal. “Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase de inquérito. Assim, durante o inquérito, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência (…). A competência do juiz de instrução não deve constituir oportunidade para ele se alçar em senhor do inquérito, o que aconteceria se o juiz se colocasse numa posição de sindicante permanente da atividade do Ministério Público (…). Portanto, o juiz de instrução não pode declarar, durante o inquérito a invalidade de atos processuais presididos pelo Ministério Público.” Concedemos, porém, que tratando-se de nulidade sanável suscetível de afetar direitos, liberdades ou garantias de algum sujeito processual e de se integrar na previsão da al. d) do nº 2 do artº 120º do C.P.P., possa ser suscitada no prazo perentório previsto no nº 3 al. c) do mesmo preceito, sob pena de se considerar sanada. Ora, como resulta dos autos, o recorrente foi notificado pessoalmente da acusação em 06.07.2012, não tendo requerido a instrução quando o podia fazer, arguindo simultaneamente as invocadas nulidades. Não havendo lugar a instrução, como não houve, a nulidade invocada, porque de nulidade sanável se trata, deveria ter sido arguida, até cinco dias após o encerramento do inquérito (art. 120º, nº 3, c), do C. Processo Penal). Contudo, encerrado o inquérito com a dedução de acusação, o recorrente optou pela forma de controlo interno em que se traduz a intervenção hierárquica, deixando esgotar aquele prazo de cinco dias. Tendo sido notificado da acusação em 06.07.2012, o recorrente só em 29.04.2013 suscitou perante o Sr. Juiz de Instrução a referida nulidade, embora de forma “enviesada”, já que verdadeiramente suscitou nulidades/irregularidades dos despachos da hierarquia do Mº Pº que se pronunciaram sobre a nulidade invocada. Assim, quando a veio suscitar perante o JIC, já a mesma, já a mesma, pelo decurso do prazo do art. 120º nº 3 al. c) do C. Processo Penal, se encontrava sanada, sendo por tal razão, extemporânea a sua arguição. Tem, por isso, o recurso de improceder. * IV – DECISÃO * Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…. Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC’s – artº 8º nº 9 do RCP e tabela III anexa. * Porto, 26 de Fevereiro de 2014(Elaborado e revisto pela 1ª signatária) Eduarda Lobo Alves Duarte _______________ [1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [3] In Código de Processo Penal Anotado, 10ª edª., pág. 311. [4] Comentário do Código de Processo Penal, UCE, pág. 306 e ss. [5] Do Processo Penal Preliminar, 475 e ss.; cfr. ainda Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 89. [6] In Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, pág. 189 e ss, nota 439 |