Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO COSTA | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO DOMINANTE PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS | ||
Nº do Documento: | RP201902151573/16.1PIPRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 15-02-2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC. PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
Indicações Eventuais: | 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS Nº8/2019, FLS.89-96) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I – Um dos princípios que enforma o nosso direito processual, civil e penal, é o da preclusão, o que significa que, uma vez praticado determinado acto, ele adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual ou efeito intraprocessual da preclusão). II – Apesar disso, a dedução de uma segunda acusação no mesmo processo em tudo igual à primeira, excepto quanto ao número de crimes da mesma natureza imputados, constituirá uma mera alteração não substancial de factos, devendo esta segunda acusação ser recebida e será com base nela que deverão conformar-se os ulteriores termos do processo. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n º 1573/16.PIPRT-B.P1 Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa Adjunta: Élia São Pedro Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto: O M.P. a fls. 209 e ss, não se conformando com despacho proferido em processo singular do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal do Porto-J6, que nos autos à margem referenciados decidiu na parte que ora interessa: “Vi a posição das partes e o visto do MP. 2 - Depois acresce que apesar da acusação pública de fls. 153 e 154 ter sido notificada aos arguidos em 20.02.2018, nenhum deles veio invocar qualquer irregularidade ou nulidade ou sequer requereu a abertura de instrução, nos prazos legais, pelo que, qualquer irregularidade ou nulidade relativa da acusação se mostra neste momento sanada. 3 - com efeito, as circunstâncias que geram a nulidade da acusação, encontram-se previstas no artº 283º nº3, do Código de Processo Penal e os vícios da acusação pública são nulidades relativas, dependentes por isso de arguição no prazo legal previsto para as nulidades relativas a contar da notificação do acto aos intervenientes processuais, mais concretamente, nos termos previstos no artº 120.°, n,º 1, 2 do Código de Processo Penal, sob pena de se terem de considerar sanadas. 4 - Os factos descritos, nomeadamente, as circunstâncias de tempo, lugar e modo descritos e as normas legais aplicáveis em ambas as acusações são exatamente os mesmos e foram notificadas aos arguidos, apenas se verificando o lapso da indicação de um crime e não dois crimes como deveria constar. 5- Nenhuma irregularidade ou nulidade relativa que a acusação pudesse enfermar foi invocada pelos arguidos após a notificação do segundo despacho de acusação pública que lhes foi regularmente notificado, pelo que se concluirá que a ter ocorrido qualquer nulidade a mesma está sanada. 6 - Não está em causa, salvo o devido respeito qualquer alteração substancial de factos da acusação pública, mas antes uma questão de nulidade, em nosso modesto entender já sanada, por nada ter sido invocado pelos arguidos nos prazo legalmente previsto para o efeito, ou seja, no prazo de cinco dias contados a partir da sua notificação aos arguidos em 20.02.2018, nem sequer terem os arguidos requerido a abertura de instrução a colocarem causa a nova acusação de fls. 153 e 154 àqueles notificada nos autos. 7 - Uma vez que ficou sanada a eventual ou hipotética nulidade, apenas a segunda acusação de fls. 153 e 154, pode delimitar o objecto do processo e não a acusação de fls. 129 e 130 que o despacho recorrido considerou ser a que delimitava o objecto do processo. 8 - Concluímos, assim, que o Douto Despacho recorrido é ilegal e viola frontalmente o previsto no artº 120º e 123.°, ambos do Código de Processo do Penal, bem como, enfermará de nulidade insanável, nos termos do disposto no art," 119.° alínea b), do Código de Processo Penal, ao impedir o exercício da acção penal - cf. Acórdão da Relação do Porto de 08.03.2017. 9 - A decisão recorrida enferma de nulidade insanável, a qual se invoca e deve ser oficiosamente declarada, por a mesma traduzir um impedimento à promoção do processo pelo ministério público, nos termos do artº 48.° do Código de Processo Penal. 10 - Não pode o Mm.º Juiz de Julgamento escolher a acusação que delimita o objecto do processo e omitir receber a acusação que o MP deduziu contra os arguidos a colmatar uma deficiência que não foi posta em causa pelos arguidos e nenhuma vicissitude foi conhecida na fase de instrução após se ter encerrado o inquérito, por não ter sequer sido requerida, pelo que, esse último acto do inquérito cuja nulidade não foi reconhecida, terá que ser a que delimita o objecto do processo, sob pena de ocorrer a verificação de uma nulidade insanável, nos termos do disposto no art," 119º nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o que se invoca, em relação ao primeiro parágrafo do douto despacho recorrido da Mm.a Juiz a quo. 11 - Ou seja, como os arguidos não invocaram qualquer nulidade ou irregularidade da acusação que lhes foi notificada, está sanado o vicio, tendo que ser recebida a acusação proferida a fls. 153 e 154, pugnando-se pois pela procedência do presente recurso, com a consequente revogação do primeiro· parágrafo do douto despacho da Mm.a Juiz a quo que não recebeu acusação, na qual se imputavam, a prática por cada um dos arguidos, em autoria material, dois crimes de ofensa à integridade simples, p. e. p., pelo art," 143.° n.º1, do Código Penal. 12 - O despacho recorrido, no seu primeiro parágrafo enferma de nulidade insanável, nos termos do disposto no artº 119.° n,º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, bem como de falta de fundamentação, pelo que, pugnamos pela revogação do douto despacho recorrido do Tribunal a quo, naquele seu primeiro parágrafo que, não considerou no despacho de recebimento da acusação previsto no art. 311.°, do Código de Processo Penal, a acusação de fls. 153 e 154 que imputa aos arguidos a prática, por cada um deles, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p., pelo art," 143.° n.º 1, do Código Penal e consequentemente que, seja revogado e determinado a sua substituição por outro que imponha o recebimento da acusação datada de 19.02.2018 - fls. 153 e 154 - onde se imputam aos arguidos a prática, por cada um deles, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p.-pelo art. 143.0 nº 1, do Código Penal. A este recurso respondeu o arguido B... a fls. 15 e ss, pugnando pela sua improcedência, concluindo: “1.° - O Ministério Público por Despacho datado de 19.02.2018, a fls. 153 e 154 dos autos, vem nos termos do disposto nos arts. 380.° do código de Processo Penal, 249.° do Código Civil e 666.° do Código de processo Civil, proceder à retificação do texto da acusação constante a fls. 129; 2.° - Da retificação resultou o aumento número de crimes imputados a cada um dos arguidos, passando de um crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143.° do Código Penal, para dois crimes. 3.° - A Meritíssima Juiz "a quo" entende que o primeiro despacho de retificação do Ministério Público no qual considera findo o inquérito e deduz acusação representa um acto decisório que não pode ser repetido, e que a alteração introduzida com o aumento do número de crimes imputados, não consubstanciara uma mera retificação, mas sim uma alteração substancial dos factos, conforme resulta dos arts 359.° e art. 1.° alínea f) do Código de Processo Penal. 4.° - O entendimento sufragado pela Meritíssimo Juiz "a quo", é, s.m.o., aquele que melhor se coaduna com o Princípios que norteia o Processo penal, designadamente o Princípio da Preclusão. 5.° - No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.05.2016, em que era relator Maria da Graça Santos Silva, sob o proc. n.º 88/1 0.6JAPDL.L 1-3, decidiu-se uma questão análoga à dos autos, no qual foi considerado que não é possível proceder à substituição de uma acusação por outra por importar a violação do princípio da preclusão. 6.° - Este princípio tem aplicação no âmbito do direito processual, seja ele civil ou penal - e aplica-se, quer aos atos dos Juízes, quer aos atas petitórios e contestatórios das partes /intervenientes processuais, quer aos atos decisórios dos Magistrados do Ministério Público, os quais, nos termos dos arts. 380.°, n.º 3 e 97.°, nº 3, do Código de Processo Penal, só podem ser corrigidos nos casos e termos previstos no nº1 daquele primeiro normativo. 7.° - Tal significa que, uma vez proferida a acusação (ou qualquer despacho do MP no âmbito do inquérito), seja qual for o tratamento que lhe tenha sido dado (isto é, tenha sido notificado, ou não) está precludida a possibilidade de o MP renovar a prática do acto. O acto praticado tornou-se definitivo e parte integrante do processado. 8.° - Pelo exposto, a acusação proferida a fls. 129-130 é a acusação deste processo, sendo aquela que a pretendeu substituir um ato juridicamente inexistente. Termos em que: Se requer a V.Exa. que o Recurso interposto pelo Ministério Público seja julgado improcedente, devendo a acusação proferida a fls. 153 e 154, por importar uma alteração substancial dos factos e não uma mera retificação, ser considerada inexistente, por violar o princípio da preclusão previsto no art. 380.° do Código do Processo Penal.” Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra a folhas 47e ss, pugnou pela procedência do recurso. Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Objeto do recurso e sua apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. Inexistem tias vícios. Matéria de Direito. As questões colocadas pelo recorrente são a discordância com o não recebimento da segunda acusação deduzida e bem assim com a alteração da qualificação jurídica efetuada pelo despacho recorrido Existência de duas acusações, sendo que a segunda se destinou a corrigir alegado lapso de escrita quanto ao número de crimes. Lapso material Princípio da preclusão. Alteração substancial de factos. Eventual irregularidade/nulidade sanada. Do enquadramento dos factos relevantes para a decisão. 1. Nos autos por despacho proferido pelo Ministério Público datado de 23.11.2107 foi deduzida acusação contra os arguidos B… e C…: No dia 30.08.2016 cerca das 18 horas, na rua …, nº…, nesta comarca, os arguidos que são vizinhos dos ofendidos D… e o E…, dirigiram-se à fracção onde os mesmos residem situada no rés-do-chão direito e desferiram vários pontapés na porta de entrada. Quando a ofendida D… abriu a referida porta, os arguidos agarraram a ofendida, puxaram - na e o arguido agarrou-lhe o dedo polegar da mão direita e torceu-o, provocando-lhe ambos os arguidos, dores e ferimentos, resultado que representaram como consequência directa da sua actuação. Quando o ofendido E…, marido da ofendida D… foi em socorro da esposa, o arguido desferiu-lhe um soco e a arguida empunhando uma tesoura desferiu-lhe com ela uma pancada nas costas, provocando-lhe ambos os arguidos dores e ferimentos resultado que representaram como consequência directa da sua actuação. Pelo exposto, cometeram cada um dos arguidos, em autoria material e na forma consumada: - um crime de ofensa à integridade física, p. e p., pelo art. 143º nº 1, do C.Penal. 2.O presente despacho de acusação foi notificado aos arguidos por carta datada de 28 de Novembro de 2017. 3. Posteriormente, invocando-se o disposto no art. 380º nº 1, do Código de Processo Penal, 249.° do Código Civil e art. 666.° do CPC, o ministério Público procede à retificação da acusação constante de fls. 129 verso e 130, uma vez que, fez constar por manifesto lapso de escrita que os arguidos cometeram um crime de quando queria dizer que, cada um dos arguidos, cometeram cada um, em autoria material, dois crimes de ofensa à integridade física, p, e p., pelo art,? 143.° do Código Penal. 4. Então, o Ministério Público elabora novo despacho integral reproduzindo os mesmos factos, mas agora com a indicação do número de crimes transpostos nos factos descritos na acusação de fls.153 a 154. 5. Com efeito, por despacho de acusação proferido pelo Ministério Público datado de 19 de Fevereiro de 2018, foi deduzida em processo comum singular, no uso do disposto no art.16º nº3 do Código de Processo Penal, contra B… e C…, pelos seguintes factos: No dia 30.08.2016 cerca das 18 horas, na Rua …, nº …, nesta comarca, os arguidos que são vizinhos da ofendida D…, dirigiram-se à fracção onde a mesma reside situada no rés-do-chão direito e desferiram vários pontapés na porta de entrada. Quando a ofendida Maria Amélia Fonseca Silva abriu a referida porta, os arguidos agarraram-na, puxaram-na e o arguido agarrou-lhe o dedo polegar da mão direita e torceu-o, provocando-lhe dores e ferimentos, resultado que representou como consequência directa da sua actuação. Quando o ofendido E…, marido da ofendida D… foi em seu socorro o arguido desferiu-lhe um soco e a arguida empunhando uma tesoura desferiu-lhe com ela uma pancada nas costas, provocando-lhe dores e ferimentos resultado que representou como consequência directa da sua actuação. Pelo exposto, cometeram cada um dos arguidos, em autoria material e na forma consumada: - dois crimes de ofensa à integridade física, p. e p., pelo art, 143º nº1, do Código Penal. 6.O presente despacho de acusação foi notificado aos arguidos a 20.02.2018. 7.Em 17.04.18 o Mmº juiz profere o seguinte despacho: “Autue como processo comum com intervenção de Tribunal Singular. O despacho do Ministério Público no qual considera findo o inquérito e deduz acusação representa um acto decisório que não pode ser repetido, por com a sua prolação se ter esgotado o poder do magistrado titular do inquérito sobre o respetivo objecto, independentemente de a acusação conter ou não deficiências que possam comprometer o seu êxito. A acusação de fls. 153-154 não consiste numa mera rectificação de um erro material, antes configura uma alteração substâncial dos factos vertidos na acusação de fls. 129-130, conforme resulta do disposto no art. 359° e art. 1°, al. f), ambos do CPP. Os factos não são autonomizáveis em relação ao objecto do processo. Assim, antes de mais, notifique os arguidos nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 359° do CPP. DN Porto, 17.04.2018 “ 8. Os arguidos pronunciaram-se no sentido do decidido pelo juiz a quo. Conhecendo. Dispõe o artigo 380º 1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º; b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso. 3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º.” O art. 380º do CPP prevê um processo de correção de sentença extensível aos atos decisórios do art. 97º, neles se incluindo decisões do M.P. quando os vícios de que enferma não constituem nulidade, embora não se tenha observado integralmente o disposto no art. 374º e ainda quando a sentença/ato decisório contiver lapso, obscuridade ou ambiguidade, cuja modificação não importe modificação essencial. Para Maia Gonçalves a modificação essencial afere-se em relação ao que estava no pensamento do tribunal decidir, mas que não ficou escrito, aqui se incluindo os erros de escrita, sendo ainda necessário que o erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade resulte dos próprios termos da decisão, para assim se poder controlar o exercício, pelo tribunal do poder de correção, a fim de se concluir que o erro para poder ser corrigido pela entidade decisória, foi patente, evidente, indiscutível, captável pela imediação, ver Ac. STJ de 18.01.2007, Proc.3510/06-5ª. Temos, pois que a retificação não é possível quando a alteração pretendida conflituar não só com o sentido do seu texto como do próprio pensamento do decisor. A correção de sentença e de despachos judiciais e do M.P. é sempre possível em nome dos princípios da economia e celeridade processual, desde que não estejamos perante novas decisões, designadamente sobre o mérito, mas perante simples aperfeiçoamento do decidido num quadro meramente retificativo, não podendo integrar nulidades insanáveis e desde que não importem alterações substanciais, pois proferida decisão está esgotado o poder jurisdicional. Dito de outro modo, só cabem no art. 380º os erros e contradições que não tenham relevância para caber no art. 410º, n º 2 do CPP. Ora analisado o conteúdo da primeira acusação e o da segunda, pode constar-se que a única alteração da primeira para a segunda é a imputação a cada um dos arguidos não de um mas de dois crimes de ofensas à integridade física simples. Pode constatar- e que os factos são exatamente os mesmos, não foram “bulidos”, nele estando presentes todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime em questão. De igual forma não se mexeu na competência do tribunal. Resulta evidente analisado o pensamento exarado no testo da primeira acusação que as premissas não tiveram a conclusão adequada, a imputação de dois crimes a cada um dos arguidos e que tal deveu-se manifesto lapso do M.P. que dando conta solicitou a sua correção. E tal correção não implica modificação essencial da primeira acusação, na medida em que estão retratados todos os factos que poderão implicar eventual condenação dos arguidos pela prática de dois crimes e não de um só. Não há aqui nenhuma alteração substancial como veremos mais a baixo. Ao contrário do acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.16, não ocorre nos presentes autos situação similar na medida em que ali a segunda acusação implicou invocação de novos factos que acresceram aos anteriores e ainda a modificação da competência do tribunal, o que não é manifestamente o caso dos autos. Um dos princípios que enforma o nosso direito processual, civil e penal, é o da preclusão. Significa ele, entre o mais) que uma vez praticado determinado ato ele adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual ou efeito intraprocessual da preclusão). Este princípio tem um campo de aplicação muito amplo, quer em processo civil quer em processo penal e aplica-se, nomeadamente, a todos os atos petitórios e contestatórios das partes (por exemplo, apresentação de queixa, dedução de acusação particular, dedução de instrução, pedido de indemnização civil, contestação crime e contestação cível). Mas aplica-se também aos atos do Magistrados. Tal resulta, diretamente, do disposto no artº 613º/CPC, aplicável em processo penal, por força do qual proferida sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa (efeito preclusivo do caso julgado, intra e extra processual). Tal norma é aplicável aos simples despachos decisórios intercalares - o que fundamenta a figura do caso julgado formal e material (artºs 619º a 621º, do CPC, aplicável ao CPP, ex vi artº 4º). Proferida a sentença ou proferido um despacho que decida sobre determinada questão, fica precludida a possibilidade do Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão, sendo que a decisão proferida só permite a correção de lapsos materiais (artº 614º/CPC) e, no âmbito CPP, daqueles a que se refere o artº 380º/CPP. Ora, o disposto no artº 380º/ 1 e 2 aplica-se, como determina o nº 3, aos atos decisórios previstos no artº 97º/CPP, o que quer dizer que se aplica aos atos decisórios do Juiz e do Ministério Público (artº 97º/3, do CPP). Tal significa que, no que ao caso releva, uma vez proferida a acusação (ou qualquer despacho do MP no âmbito do inquérito), seja qual for o tratamento que lhe tenha sido dado (isto é, tenham eles sido notificados, ou não) está precludida a possibilidade de o MP renovar a prática do ato. O ato praticado tornou-se definitivo e parte integrante do processado, tenha ele sido vertido em papel ou em sistema informatizado – sendo que é inadmissível que ambas as vertentes não sejam rigorosamente coincidentes. Salvo ocorrência de situação que justifique aplicação do art. 380º do CPP, não sendo, pois, um princípio absoluto. A atuação do M.P. nestes autos não atropela o princípio do processo justo (tal como pugna o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), no qual se alicerça do princípio da lealdade processual que, na dimensão da atuação do Ministério Público, é uma exigência do processo democrático (que tem inerente o exame público sobre a atuação dos agentes da justiça). Assim e em suma, face à opção inicial do acusador, é evidente que a única qualificação jurídica admissível passa pela imputação de dois crimes de ofensa à integridade física do art. 143º, n º 1 do C.P. já que os factos constantes da acusação permitem legitimamente a imputação de dois crimes (com reporte a cada um dos arguidos). Em face do exposto o juiz a quo devia ter admitido a correção da acusação nos termos sugeridos pelo M.P. Mais, importa inda considerar que a interpretação feita pelo juiz a quo segundo a qual a referida imputação implicava uma alteração substancial dos factos invocando o disposto no art. 359º do CPP não pode ser sufragada. Conforme já decidido em Ac. TRP de 13-02-2008 desta 1ª secção: “I - Se os factos descritos na acusação foram aí qualificados como 1 crime de lenocínio simples, em julgamento, se se entender que esses mesmos factos constituem 6 crimes dessa natureza, o procedimento a seguir é o previsto no art. 358º, nº 3, do Código de Processo Penal e não o do art. 359º do mesmo código. II - No crime de lenocínio simples pune-se uma actividade, uma profissão, e não a corrupção da vontade livre, pelo que comete um só crime quem, na execução da mesma resolução, favorece a prostituição de várias mulheres.” Passo, ainda a transcrever “De acordo com o art. 1º al. f) do CPP considera-se alteração substancial dos factos, aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ainda a respeito: Decisão. Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo M.P, revogando-se o despacho da 1ª instância, devendo aceitar-se a retificação efetuada pelo M.P. subjacente à “segunda” acusação, a qual conformará os ulteriores termos do processo. Sem custas. Notifique Porto, 15 de fevereiro de 2019. (Elaborado e revisto pelo 1º signatário) Paulo CostaÉlia São Pedro |