Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DO CARMO FERREIRA | ||
Descritores: | PROCESSO-CRIME SEGREDO DE JUSTIÇA PRAZOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 08-10-2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I- O segredo de justiça interno não pode ir além dos prazos máximos do inquérito previstos no artº 276º do C.P.P., acrescidos do adiamento por um prazo máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado. II- Na norma do artigo 276º- 1 do C.P.P.,o legislador quando se refere aos prazos máximos do inquérito, não quis fixar vários prazos independentes, consoante o aparecimento de novos sujeitos ou das suas situações processuais. Daí a expressão “ou” e não “e”. III- Sucedendo-se os prazos, deve aplicar-se a regra do processo civil, prevista no artigo 290 do respectivo diploma. IV- A lei nada refere, quanto à audição do arguido sobre a decisão do sigilo interno do processo, como faz por exemplo em relação à declaração da especial complexidade do processo (artº. 215 nº. 4 do C.P.P.). Assim sendo, essa manifestação, obtê-la-á o arguido com a interposição do recurso da respectiva decisão, já que, a decisão que adia e a que prorroga o prazo do segredo de justiça é recorrível nos termos gerais do disposto no artigo 399 do C.P.P. (a contrario do artº. 86 do C.P.P.). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 9ª.Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO.
M..., arguido nos autos supra e ali devidamente identificado, não se conformando com o despacho que lhe indeferiu a arguição de nulidades (de 24/6/2015) e irregularidades que invocara sobre anteriores despachos (de 5/2/2015 e 3/6/2015), onde se determinava o adiamento ao acesso aos autos, pelo período de 3 meses, a vigorar até 4/5/2015 e a prorrogação do prazo do acesso aos autos por mais um ano, a contar do dia 4/6/2015, vem do mesmo interpor recurso. Juntou as motivações que constam de fls. 2 a 48 destes autos, da qual constam as conclusões que vão transcritas: 1) O presente recurso versa sobre dois Despachos, proferidos pelo JIC, que apreciaram os requerimentos apresentados pelo ora Recorrente na sequência da notificação do Despacho de fls. 12533 e ss., que determinou o segundo adiamento de acesso aos autos, nos termos do artigo 89.°, n.° 6, in fine, CPP. 2) Tratam-se (i) do Despacho de fls. 13584 e ss., mediante o qual o Juiz a quo indeferiu a arguição de nulidade dos Despachos de fls. 7901 e 7902 e de 12533 a 12535 (que, respetivamente, haviam determinado a primeira e segunda prorrogações do adiamento de acesso aos autos pelo Arguido), e (ii) do Despacho de fls. 13316 e ss., através do qual o Mm.° Juiz de Instrução Criminal desconsiderou a arguição de irregularidade do já referido Despacho de fls. 12533 a 12535 ("Despacho Recorrido (irregularidade)"). 3) Salvo o devido respeito por melhor opinião, é entendimento do ora Recorrente que não assiste razão ao Meritíssimo JIC, já que por um lado e em primeira linha, os pedidos de adiamento de acesso aos autos, feitos ao abrigo do artigo 89.°, n.° 6, CPP, foram extemporâneos, o que determinou ipso iure a publicidade interna do processo, e porque, por outro lado, sempre se dirá que foram preteridas as garantias de defesa do ora Recorrente ao não lhe ter sido notificada a Promoção do Ministério Público que antecedeu a segunda prorrogação de acesso aos autos. 4) É ainda entendimento do Recorrente que ao contrário do que é sustentado nos despachos em recurso, no caso em apreço não poderia ter havido prolongamento do período de duração do segredo de justiça para além dos prazos máximos de inquérito previstos no artigo 276.° CPP (artigo 89.°, n.° 6, CPP), uma vez que tal não foi requerido dentro dos prazos estabelecidos para o efeito: saber: (i) o pedido e concessão da primeira prorrogação do segredo de justiça, nos termos do artigo 86.°, n.° 6, do CPP, não respeitou o prazo de conclusão do inquérito e (ii) o pedido e concessão da segunda prorrogação do segredo de justiça, nos termos do artigo 86.°, n.° 6, in fine, do CPP, não ocorreu dentro dos três meses do primeiro adiamento do acesso aos autos. 5) Entende, pois, o Recorrente, que, nos presentes autos, o prazo máximo do presente inquérito terminou no dia 13.11.2014, mas o requerimento do Ministério Público, bem como o subsequente Despacho do Juiz de Instrução Criminal de fls. 7901 e s. (atinentes ao primeiro adiantamento de acesso aos autos pelo período de 3 meses) tiveram lugar, apenas, em inícios de Fevereiro de 2015. 6) Desta forma, porque o primeiro adiamento de acesso aos autos não foi decido antes de 13.11.2014, a partir de tal data o segredo de justiça interno do processo cessou ipso lure. 7) O artigo 86.°, n.° 1, CPP refere que «[o] processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as exceções previstas na lei», pelo que qualquer acto processual que contrarie o sobredito (como o foi o Despacho de fls. 7901 e s.) será irremediavelmente cominado com o vício de nulidade. 8) Nestes termos, o Despacho Recorrido (nulidade) deve ser considerado ilegal, sendo, por isso, revogado, reconhecendo-se, assim, a nulidade do Despacho de fls. 7901 e s., nos termos e para os efeitos do artigo 86.°, n.° 1, e 89.°, n.° 6, CPP, e, em consequência, a nulidade do Despacho de fls. 12533 e ss., nos termos e para os efeitos do artigo 122.°, n.° 1, CPP, tudo redundando numa única conclusão: deve ser reconhecida a publicidade interna do processo. 9) Nem se diga, porque não procede, que a tal desfecho obsta o Despacho de fls. 12533 e ss. (despacho mediante o qual foi decidido o segundo adiamento de acesso aos autos, nos termos do artigo 89.°, n.° 6, in fine, CPP), porquanto o prazo para requerer e declarar o segundo adiamento de acesso aos autos também não foi respeitado. 10) A declaração de especial complexidade do processo que tenha lugar depois de requerido o adiamento de acesso aos autos nos termos do artigo 89.°, n.° 6, CPP (como sucedeu in casu) – precisamente porque o prazo de inquérito já se considera terminado (artigo 89.°, n.° 6, ab intio, CPP) – não tem o poder de alargar prazo do segredo interno, como se de uma nova prorrogação deste se tratasse. 11) Nos temos da Lei, o que seria válido para prorrogar o acesso aos autos, tendo em conta o específico momento processual, seria um Despacho como aquele que consta de fls. 12533 e ss., i.e., concebido ao abrigo do artigo 89.°, n.° 6, in fine, CPP. 12) Sucede, porém, que no caso em apreço, o Despacho de fls. 12533 apenas teve lugar no dia 03.06.2015, ou seja, cerca de 2 meses depois do termo do prazo de 3 meses correspondente ao primeiro adiamento de acesso aos autos (determinado pelo Despacho de fls. 7901 e s.), o que, também por força da assinalada extemporaneidade, determinou a quebra ipso lure do segredo de justiça interno do processo. 13) Entende ainda o Recorrente que, de todo o modo, isto é, mesmo atribuindo ao Despacho que decretou a especial complexidade do processo um valor indevido, o Despacho de fls. 12533 e ss. e a Promoção que o antecedeu seriam sempre extemporâneos e o segredo interno do processo sempre estaria quebrado, pois os mesmos tiveram lugar ao fim de 18 meses desde o início do inquérito, quando nunca poderiam ter lugar depois de ultrapassado o prazo de 12 meses. 14) Nestes termos, não pode deixar de reconhecer-se, também por este via, a ilegalidade do Despacho Recorrido (nulidade) e, por conseguinte, a nulidade do Despacho de fls. 12533 a 12353, nos termos e para os efeitos dos artigos artigo 86.°, n.° 1, e 89.°, n.° 6, CPP, devendo ser imediatamente reconhecida a publicidade interna do processo. 15) Subsidiariamente entende o Recorrente ser ilegal o Despacho de fls. 13316 e ss., através do qual o Mm.° Juiz de Instrução Criminal desconsiderou a arguição de irregularidade do Despacho de fls. 12533 a 12535 ("Despacho Recorrido (irregularidade) oportunamente arguida pelo Recorrente. 16) Ilegalidade essa que deriva da circunstância de não ter sido o Recorrente notificado da Promoção do Ministério Público que antecedeu tal Despacho de fls. 12533 a 12535, em violação direta das suas garantias de defesa (artigos 20.°, n.° 4, 32.°, n.°s 1 e 5, ambos da CRP e artigo 6.° da CEDH). 17) Em causa está, designadamente, a violação do direito de audição (artigo 61.°, n.° 1, al. b), CPP), do direito ao contraditório (artigo 32.°, n.°s 1 e 5, CRP e artigo 6.° § 1, CEDH) e do direito de igualdade de armas (artigo 20.°, n.° 4, 32.°, n.°S 1 e 5, CRP e artigo 6.° § 1, CEDH) que assistem ao Recorrente, pelo simples facto de o mesmo assumir a posição processual de Arguido. 18) A ideia de processo equitativo (20.°, n.° 4, CRP e 6.° CEDH) foi completamente ignorada, assim como foram desrespeitados os ditames constitucionais vertidos nos artigos 202.°, n.° 1 e 2, CRP e 204.° CRP. Nestes termos e nos demais de Direito cujo douto suprimento de V. Exas. se invoca, deverá presente recurso ser julgado procedente, e em consequência: a) Deverá o Despacho Recorrido (nulidade) ser revogado, porque ilegal, reconhecendo-se a nulidade dos Despachos de fls. 7901 e s. e de fls. 12533 e ss. (ou, subsidiariamente, apenas deste último), nos termos e para os efeitos do artigo 86.°, n.° 1, 89.°, n.° 6, e 122.°, n.° 1, CPP, sendo de imediato reconhecida a publicidade interna dos presentes autos; Ou, caso assim não se entenda, b) Deverá o Despacho Recorrido (irregularidade) ser revogado, porque ilegal, reconhecendo-se a irregularidade do Despacho de fls. 12533 e ss., nos termos e para os efeitos do artigo 123.° CPP.
*** Na resposta do Mº.Pº., cujas motivações constam de fls. 51 a 70, o Mº.Pº conclui como vai transcrito:
1. O art.° 276º do Código de ProcessoPenal consagra diferentes prazos máximos de inquérito consoante quer o tipo de crimes, quer a existência de declaração de especial complexidade do processo, quer a existência de arguidos sujeitos a medidas de coacção privativas da liberdade; 2. O recorrente interpreta erradamente as regras de contagem do prazo de inquérito com arguidos presos, pretendendo fazer retroagir o início da contagem do prazo à data em que o inquérito passou a correr contra pessoa determinada, data na qual nenhum dos suspeitos tinha sequer sido constituído arguido; 3. O recorrente pretende ver aplicado um prazo que parte do pressuposto de haver arguidos presos a uma fase processual em que sequer não havia ainda sequer arguidos constituídos; 4. Para a correcta interpretação da norma tem que se atender à circunstância da tramitação processual não ser estática, sendo progressivamente marcada por factos processuais novos que, inevitavelmente, alteram os pressupostos iniciais de contagem do prazo máximo de inquérito; 5. O art.° 276º, n.° 4, do Código de Processo Penal regula o início da contagem do primeiro prazo aplicável ao inquérito, mas não o início da contagem dos prazos que vierem a ser definidos em função das vicissitudes do processo, designadamente a circunstância de vir a ser aplicada a medida coactiva privativa da liberdade ou ser declarada a especial complexidade dos autos; 6. Por esse motivo, o art.° 276°, n.° 4, do Código de Processo Penal estabelece um ponto de partida genérico, apenas admitindo que não se inicia a contagem do prazo enquanto o Inquérito correr contra desconhecidos; 7. Após a ocorrência de um novo pressuposto para a definição dos prazos de duração do inquérito, no caso a prisão dos arguidos, inicia-se a contagem de um novo prazo, cuja data de início será precisamente a da verificação do referido pressuposto, não podendo o início da contagem de um prazo ocorrer antes do facto que determina e define esse prazo; 8. Sucedendo-se dois prazos aplicáveis a um mesmo Inquérito, sendo um prazo relativo a processo sem arguidos presos e iniciado com a existência de diligências contra pessoa determinada e sendo outro prazo relativo a arguidos presos e iniciado quando a medida de prisão preventiva é aplicada, deve-se considerar esgotado o prazo logo que se tenha atingido o termo final de qualquer dos prazos, isto é, prevalece a contagem que implique "faltar menos tempo para o prazo se completar" como determina o n.° 1 do art.º 297º do Código Civil; 9. Os presentes autos começaram a correr contra pessoa determinada em 4/12/2013 pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 276°, n.°s 1, 3, al. a), 215°, n.2 2, als. d) e e), e 12, al. m), do Código de Processo Penal, o prazo máximo de inquérito era então de 14 meses, atingindo este o seu termo em 4/02/2015; 10. Acontece que, em 18/11/2014, vários arguidos foram sujeitos a medida de coacção privativa da liberdade, situação em que um deles ainda se mantém, pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 276°, n.°s 1, 2, al. a), 215°, n.° 2, als. d) e e), e 1º, al. m), do Código de Processo Penal, o prazo máximo de inquérito passou a ser de 8 meses; 11. Assim, na correcta interpretação do art.° 276º impõe, conclui-se que, tendo em atenção o princípio geral consagrado no n.° 1 do art.° 297° do Código Civil, o prazo máximo de inquérito atingiu o seu termo em 4/02/2015 uma vez que o novo prazo de inquérito aplicável resultante da prisão preventiva dos arguidos (8 meses) implicaria fixar o termo este prazo em data anterior ao próprio facto processual novo que determinou a sua aplicabilidade (4/08/2014); 12. Não sendo assim nulos os despachos proferidos pelo JIC nos termos do art.° 89°, n.° 6, do Código de Processo Penal, uma vez que os requerimento do MP que os antecederam foram formulados tempestivamente; 13. O princípio do contraditório não assume força plena na fase processual de inquérito, sendo também o segredo de justiça um valor constitucionalmente tutelado a par das garantias de defesa do arguido; 14. As normas processuais penais que regulam o segredo de justiça não impõem que o arguido deva ser ouvido pelo JIC em momento prévio quer ao despacho que valide a sua aplicação aos autos, quer aos despachos que adiam ou prorroguem o adiamento do acesso aos autos nos termos do n.° 6 do art.° 89º do Código de Processo Penal; 15. O que se justifica se atentarmos que, na maioria dos casos, com a sujeição dos autos ao regime de segredo de justiça e consequente prorrogação deste na vertente interna, frequentemente ocorrendo em momento anterior à constituição de arguido, o que se pretende é obstar à ineficácia da investigação criminal caso o suspeito / arguido tivesse acesso aos autos e conhecimento das diligências de investigação em curso. 16. A pretensão do recorrente em ver declarada a irregularidade do despacho que prorrogou o adiamento do acesso aos autos por não ter sido antecedido da notificação do arguido do teor do requerimento do MP não tem sustentação legal, sendo incongruente com as próprias finalidades que o regime de segredo de justiça pretende acautelar já que, impondo-se legalmente a fundamentação desse requerimento pelo MP, o conhecimento do seu teor pelo arguido colocaria em causa as suas finalidades uma vez que, com essa notificação, o arguido passaria a ter conhecimento das concretas diligências ainda a realizar. 17. Assim, o despacho proferido pelo JIC nos termos e para os efeitos da parte final do n.° 6 do art.º 89º do Código de Processo Penal não enferma de qualquer irregularidade. Razões pelas quais, mantendo-se nos seus precisos termos os despachos recorridos, V., Exs. decidirão conforme o Direito e a Justiça!
** Neste Tribunal, o Ex.mº. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer nos termos do artigo 416 do C.P.P. no sentido do acompanhamento da posição assumida pelo Mº.Pº. na 1ª. Instância. O arguido/recorrente respondeu ao parecer, nas páginas 452 a 468, reiterando a argumentação utilizada na motivação e conclusões do recurso, aditando em complemento e resposta ao parecer, a sua explicação sobre a pretensão denominada de pedido subsidiário a que alude no recurso. Corridos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
II. MOTIVAÇÃO.
Vejamos o teor do despacho recorrido, na parte que interessa à questão a decidir neste recurso, a fim de melhor compreender as críticas que lhe são dirigidas. (transcreve-se) Do requerimento apresentado pelo arguido M....
Veio o arguido M..., a douto punho, requerer, em síntese, a nulidade dos despachos de fls. 7901 e ss., 12533 e ss, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 86º, nº 1 e 89º, nº 6, ambos do CPP, devendo ser reconhecida, desde logo, a publicidade interna dos autos. Pronunciando-se, o titular da acção penal pugna pelo indeferimento, aduzindo o seguinte: “Vem o arguido M..., num arrazoado argumentativo solicitar que se declare nulo o despacho de fls. 12533 a 12353, nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 86º, nº 1 e 89º, nº6 do CPP e, em consequência se declare imediatamente reconhecida a publicidade interna dos autos. Requer que se declare tal nulidade a título subsidiário, já que, por requerimento datado de 18/6/2015 tinha requerido, para este mesmo despacho, a declaração de irregularidade. Sobre este requerimento foi já proferido despacho judicial que o indeferiu. Pensou agora melhor o arguido... Considera o Ministério Público que os fundamentos do presente requerimento falham por completo no confronto com as disposições legais aplicáveis.
Vejamos: Dada a imputação criminal que, desde essa data foi considerada, o prazo máximo de inquérito era, ab initio, de 14 meses, nos termos do disposto nos arts. 276º, nº 3 al. a); art 215º, nº 2 al. d) e e) e artº 1º al.m), todos do CPP. Com esse prazo terminaria igualmente a proibição de acesso aos autos. Por promoção do MP, datada de 4/2/2015, foram os autos remetidos, na mesma data, ao TCIC para apreciação de requerimento que permitisse prorrogar o prazo de limitação do acesso aos autos por mais três meses. Por despacho datado de 5/2/2015 foi judicialmente adiado o acesso aos autos pelo prazo de três meses, e, com ele, o prazo de inquérito, nos termos do art. 276 do CPP, determinando o Mmo JIC que tal acesso ficaria vedado até à data de 4/5/2015. Na data de 29/4/2015 foi declarada a especial complexidade dos autos, para os efeitos do disposto nos artºs 215º e 276º, nº 1 e 2 do CPP. Resultando desta declaração, por força da lei, que o prazo de inquérito passasse a ser de 18 meses, nos termos do disposto nos artºs 276º, nº3, al. c ) e 215º, nº3 do CPP, até 4/6/2015. Na data de 30/4/2015 o MP, desconhecendo a decisão judicial de 29/04/2005, a qual não lhe fora ainda notificada - requereu judicialmente a prorrogação do prazo de acesso aos autos por período não inferior a 12 meses. Por despacho datado de 4/5/2015 o Mmo. JIC, pronunciando-se sobre a promoção do MP, que lhe solicitava, pelo menos, 12 meses de prorrogação de prazo de acesso aos autos, considerou os efeitos processuais da declaração de especial complexidade e, portanto, que o prazo de inquérito passara a ser de 18 meses, adiando para momento posterior a apreciação desse requerimento o qual passara a ser extemporâneo mercê dos efeitos da decisão de 29/04.
Não há pois qualquer anomalia processual que cumpra conhecer nesta matéria. Nesta conformidade, vão os autos ao TCIC para ponderação e decisão, com o nosso entendimento de que, tal como aconteceu com o requerimento anterior, deve ser indeferido o requerimento adicional do arguido M... por falta de fundamento legal. Vem ainda o arguido M..., no mesmo requerimento, fazer referência ao despacho que declarou a especial complexidade dos presentes autos. Quanto a este aspecto, apenas nos apraz dizer que foi o arguido atempadamente notificado para se pronunciar sobre a promoção do MP que solicitava tal declaração e nada disse. Foi, entretanto, na data de 29/04, proferida decisão judicial declarando a especial complexidade dos autos. Tendo o Mm JIC, na mesma, acolhido a posição do MP, não tendo o argumentário pós-aduzido pelo arguido, no entendimento do MP, a virtualidade de infirmar a posição acolhida nos autos neste momento processual. Vão também nesta parte os autos ao TCIC para decisão. (sic.)
Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o n.º 1 do art.º 89.º do CPP, que: “Durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vitimas”. Já o n.º 9, do art.º 86.º do mesmo diploma legal, refere que: “A autoridade judiciária pode, fundamentadamente, dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal não puser em causa a investigação e se afigurar: a) Conveniente ao esclarecimento da verdade; ou b) Indispensável ao exercício de direitos pelos interessados”. Por sua vez, o artº 194º, nº 8 do CPP elucida-nos que: “Sem prejuízo do disposto na al. b) do nº 6, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção ou de garantia patrimonial (…)” – sublinhado nosso. Nos presentes autos foi decretado e ainda vigora o regime de segredo de justiça. Verifica-se que, na actual fase do processo, o titular da acção penal opõe-se ao levantamento do segredo de justiça, sendo que o acesso, pelo ora requerente a elementos que compõem a presente investigação, seria susceptível de poder prejudicar a mesma e, bem assim, a descoberta da verdade material, nomeadamente, no que respeita ao resultado de diligências em curso ou a realizar, aliás, como já consignado nos autos. A investigação que decorre no âmbito dos presentes autos, aliás, como todos os processo-crime, visa, em síntese, apurar se houve crime; identificar quem o cometeu e punir os responsáveis, se for o caso, tudo nos termos da lei penal. Por sua vez, o segredo de justiça visa, por um lado, garantir o sucesso da investigação, i.e. a aquisição da prova e, por outro, proteger os envolvidos no próprio processo, designadamente o arguido, já que se presume a sua inocência e pode ver a sua honra e a sua privacidade injustificadamente atingidas, bem como a vítima, cuja segurança deverá ser obrigatoriamente garantida. Certo é que, a actividade investigatória que cumpre realizar nos autos, passa, obrigatoriamente, pela recolha de diversos informações e elementos que permitam afirmar ou infirmar as suspeitas espelhadas nos autos, designadamente no que tange ao apuramento das circunstâncias em que os diversos intervenientes se relacionaram entre si no âmbito das indiciadas actividades delituosas aqui em investigação, bem como procurar identificar outros eventuais suspeitos. Nestas circunstâncias, atenta a posição do detentor da acção penal, somos do entendimento que os objectivos da investigação podiam vir a ser séria e irremediavelmente prejudicados com o conhecimento prévio, neste caso concreto, por parte do Requerente. Neste tocante, trazemos ainda aqui à colação o Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ, datado de 15-04-2010, in Pº 60/09.9YFLSB, cujo sumário abaixo nos permitimos transcrever:
“O prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere a segunda parte do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz de instrução pelo período de tempo que se mostrar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo de três meses, referido na mesma norma” (sic.). Assim, face ao exposto e, sem necessidade de mais considerandos, louvando-me na douta promoção do detentor da acção penal supra transcrita, à qual me arrimo não por falta de avaliação e ponderação própria da questão, mas por simples economia processual (remissão admitida pelo próprio Tribunal Constitucional – vidé Ac. TC de 30/07/2003, proferido no P.º 485/03, publicado no DR II Série de 04/02/2004 e pela própria Relação de Lisboa, vidé Ac. TRL de 13/10/2004, proferido no P.º 5558/04-3), indefere-se a pretensão do requerente, porquanto não se reconhecerem nenhuma das invocadas nulidades/irregularidades. Notifique. (…) Lisboa, 24 de Junho de 2015. O anterior despacho. Relativamente ao Requerimento do arguido M....
Por requerimento de fls. 13087 e ss., veio o arguido M..., a douto punho, requerer, em síntese, que os despachos de fls. 7901 e ss e de fls. 12533 e ss, sejam, ao abrigo do disposto no artº 123º do CPP, considerados irregulares e, subsequentemente, substituídos. Certo é que, em 03-06-2015, foi proferido pelo signatário o despacho do seguinte teor:
Da prorrogação do adiamento do acesso aos autos. Foi aplicado aos presentes autos o regime de segredo de justiça nos termos provisórios do disposto no art.º 86.º - 3 do CPP. Por despacho que ora faz fls. 7901/7902, foi adiado o acesso aos autos por três meses. Atenta a declaração de excepcional complexidade dos autos, por despacho que ora faz fls. 11175, consignou-se que o prazo do segredo de justiça extinguir-se-á em 04/06/2015. Face ao fim do prazo do segredo de justiça, sem que se mostre concluída a investigação, veio o detentor da acção penal requerer, oportunamente, a prorrogação de tal prazo por um período de um ano.
Cumpre decidir: Está em causa nos presentes autos factualidade susceptível de integrar, em abstracto, para além do mais, a prática de crimes de branqueamento de capitais e tráfico de influência em estruturas pessoais altamente organizadas. Neste tocante, segundo a regra actualmente vigente relativa à publicidade do inquérito, o regime de segredo de justiça, apenas pode vigorar nos autos, com a concordância do JIC, durante os prazos estabelecidos na Lei para a realização do Inquérito. Fora desses prazos, o regime de segredo de justiça pode manter-se, a requerimento do titular da acção penal, por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artº 1º do CPP, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação – ex vi do artº 89º, nº 6 do CPP, na redacção dada pela Lei n48/2007, de 29/08. Aqui chegados e atento a factualidade indiciada, verifica-se que estão em causa nos presentes autos indiciada criminalidade a que alude a indicada al. m) do artº 1º do CPP. Não será despiciendo consignar aqui que, atenta a redacção dada ao artº 89º, nº6 do CPP, pretendeu o legislador impor um limite temporal ao segredo de justiça e de conferir ao JIC a faculdade/poder de controlar o respeito por esses limites. Certo é que, quer na doutrina, quer na Jurisprudência, a posição quanto à questão do adiamento e prorrogação do prazo de acesso aos autos, não se vislumbra ser uma questão pacífica, existindo, desde logo, dois entendimentos possíveis quanto ao prolongamento do segredo de justiça. A questão centra-se, a nosso ver, se a prorrogação do adiamento do acesso aos autos, quando está em causa criminalidade prevista no artº 1º, als. i) a m) do CPP, pode, no seu conjunto (adiamento e prorrogação) exceder o prazo de seis meses. Neste tocante, o JIC do TCIC propugna que, quando o objecto dos autos se centra na investigação de criminalidade elencada no artº 1º, als. 1) a m) do CPP, como é o caso concreto, a requerimento do MºPº, devidamente fundamentado, o prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere o artº 89º, nº 6 do CPP, in fine, é fixado pelo JIC pelo período que se revelar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, atenta a necessidade imperiosa de se realizar certas diligências de investigação que se reputem de imprescindíveis para a descoberta da verdade material e para a realização da Justiça, sem estar circunscrito pelo prazo máximo de três meses. Permitimo-nos julgar que este entendimento não fere o art.º 20º, nº 3 da CRP, quando estipula que “a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”. (sic.) Neste ponto, consideramos ainda que o arguido, após lhe ser deduzida a acusação, tem o tempo que a lei lhe estipula, para consultar e obter os elementos que considerar essenciais à sua defesa, os quais só vai poder contraditar em sede de Julgamento, o que não se verifica nos presentes autos, atenta a fase em que se encontram. Por outro lado, consideramos que em certos tipos de processo, não se justifica sequer a aplicação e subsequente validação do segredo de justiça, designadamente em crimes de natureza particular ou naqueles em que a investigação, face ao objecto dos autos, se mostra pouco complexa. Atenta a posição do titular da acção penal e, compulsados os autos, forçoso é concluir que a investigação ainda não se mostra concluída, porquanto se revelar de extrema complexidade, encontrando-se ainda por realizar diligências, cujos resultados se julgam pertinentes e imprescindíveis para a descoberta da verdade material, designadamente no que tange a apurar o grau de participação de cada um dos envolvidos. Face à indiciada criminalidade aqui em causa, designadamente a sua natureza, faz com que a investigação destas matérias se revele, normalmente complexa e morosa, até pela dependência na obtenção de respostas de outras entidades. Se os prazos não respeitarem tal complexidade, a investigação nos processos de maior complexidade e que respeitarem a criminalidade mais danosa socialmente, poderá ficar, desde logo, frustrada de êxito.
Ainda neste sentido, atente-se no douto Aresto do Tribunal Constitucional, Acórdão 428/2008, de 12/08: “(...) não está condicionado ao limite de três meses, antes devendo ter como referência o período objectivamente considerado indispensável para a conclusão do inquérito, independentemente de este ser superior ou inferior a três meses”. (sic.) Por último, vejamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2010, de 15-04-2010, publicado no DR, 1ª Série, nº 94, de 14-05-2010, que fixou jurisprudência: “ O prazo de prorrogação do adiamento do acesso aos autos a que se refere a segunda parte do artº 89º, nº 6, do Código de processo Penal, é fixado pelo juiz de instrução pelo período de tempo que se mostrar objectivamente indispensável à conclusão da investigação, sem estar limitado pelo prazo máximo de três meses, referido na mesma norma”. Assim, face a tudo o que se disse e, sem prejuízo da suspensão do prazo decorrente da expedição das cartas rogatórias, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 176.º do CPP, deferindo-se ao doutamente promovido pelo detentor da acção penal, determina-se o adiamento do acesso aos autos, pelo período de um ano, a contar do dia 04/06/2015, prazo que se entende objectivamente indispensável à conclusão da investigação – ex vi do nº 6 (parte final) do artº 89º do CPP. Notifique. (sic.) Tomámos boa nota dos motivos invocados pelo Requerente, os quais, em resumo, pretendem que o arguido tivesse tido oportunidade de pronunciar-se previamente sobre a decisão acima transcrita. Contudo, não vislumbramos tal direito consignado nas normas processuais penais, pelo que, sem maiores considerandos, mantemos o nosso despacho acima aludido, indeferindo-se a pretensão do Requerente. Notifique. (…) Lisboa, 19 de Junho de 2015. *** Vejamos agora as questões colocadas em recurso. Entende o recorrente que: Tendo o prazo máximo do presente inquérito terminado no dia 13/11/2014 o requerimento do Mº.Pº. e o despacho do JIC relativamente ao primeiro adiamento do acesso aos autos por 3 meses, com data de 5 de Fevereiro de 2015 – fls.347 e 348 destes autos- foram proferidos extemporaneamente, pelo que ipso iure, já em 13/11/2014 havia terminado o segredo interno. Assim os despachos judiciais de fls. 7901 a 7902 e 13314 a 13321, pelos quais se adiou o acesso aos autos e se prorrogou esse prazo, devem ser declarados nulos porque proferidos depois de esgotado o prazo máximo do inquérito, e, consequentemente, serem revogados, reconhecendo-se a publicidade dos autos na vertente interna; A essa declaração de nulidade não poderá obstar a declaração de especial complexidade dos autos, e a consequente aplicabilidade do prazo máximo de inquérito de 12 meses previsto no art.° 276º, n.° 2, al. c), do Código de Processo Penal, uma vez que aquando do requerimento do MP de adiamento de acesso aos autos já se tinha esgotado esse prazo; - Entende ainda o recorrente que o despacho proferido em 19/06/2015, a fls. 13314 a 13321, deve ser revogado, reconhecendo-se a irregularidade do despacho proferido pelo JIC em 3/06/2015, a fls. 12532 a 12536, em que determinou o adiamento do acesso aos autos pelo período de um ano, uma vez que a não notificação do recorrente do requerimento do MP que antecedeu este último despacho acarretou violação directa das suas garantias de defesa, designadamente o direito de audição (art.º 61º, n.° 1, al. b), do CPP), o direito ao contraditório (art.° 32º, n.ºs 1 e 5, da CRP, e art.° 6º § 1, da CEDH) e o direito de igualdade de armas (art.s° 20º, n.° 4, e 32º, n.°s 1 e 5 da CRP, e art.° 6º § 1 da CEDH).
Conhecendo das questões, cumpre fazer antes, uma introdução temática. Regulando esta matéria e, com interesse para a decisão em apreço, vejamos o que se dispõe no artigo 89 do C.P.P.
6 - Findos os prazos previstos no artigo 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º, e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.
Os prazos definidos pelo artigo 276 do C.P.P. Artigo 276.º Prazos de duração máxima do inquérito 1 - O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se os não houver. 2 - O prazo de seis meses referido no número anterior é elevado: a) Para 8 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 10 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 12 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 3 — O prazo de oito meses referido no n.º 1 é elevado: a) Para 14 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 16 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 18 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 4 - Para efeito do disposto nos números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido. 5 — Em caso de expedição de carta rogatória, o decurso dos prazos previstos nos n.os 1 a 3 suspende -se até à respectiva devolução, não podendo o período total de suspensão, em cada processo, ser superior a metade do prazo máximo que corresponder ao inquérito. 6 — O magistrado titular do processo comunica ao superior hierárquico imediato a violação de qualquer prazo previsto nos n.os 1 a 3 do presente artigo ou no n.º 6 do artigo 89.º, indicando as razões que explicam o atraso e o período necessário para concluir o inquérito. 7 - Nos casos referidos no número anterior, o superior hierárquico pode avocar o processo e dá sempre conhecimento ao Procurador-Geral da República, ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito. 8 - Recebida a comunicação prevista no número anterior, o Procurador-Geral da República pode determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aceleração processual nos termos do artigo 109.º.
O nº 2 do artº 86º do C.P.P. não estabelece qualquer prazo para o JIC se pronunciar sobre o requerimento tendente a submeter ou não o processo a segredo de justiça, mas de acordo com o nº 3 do artº 86º do C.P.P., a decisão do MP que determina que o inquérito seja sujeito a segredo de justiça tem que ser validada pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas. Estatui-se agora que o segredo de justiça depende de decisão nesse sentido, pela autoridade que dirige o inquérito, com validação apenas, pelo Juiz da Instrução.([1]) Então, decretado o segredo de justiça (já sabemos que, como excepção ao princípio da publicidade exarado no nº. 1 do artigo 86 do C.P.P. que engloba a fase do inquérito processual) este efeito vigorará porém com um limite- o prazo máximo da duração do inquérito. Com efeito, o segredo de justiça interno não pode ir além dos prazos máximos do inquérito previstos no artº 276º do C.P.P., acrescidos do adiamento por um prazo máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado. Quanto ao adiamento não há dúvidas, relativamente à prorrogação do prazo adiado é que as opiniões são divergentes, tanto na doutrina como na jurisprudência. Como verificamos do acima descrito, o nº 6 do artº 89º do C.P.P., expressa que decorridos os prazos máximos previstos no artº 276º daquele diploma, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontrem em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que tal acesso seja adiado por um período máximo de três meses, podendo ser prorrogado por uma só vez, quando estiverem em causa crimes de:[2] i) «Terrorismo» as condutas que integrarem os crimes de organização terrorista, terrorismo e terrorismo internacional; j) «Criminalidade violenta» as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; l) «Criminalidade especialmente violenta» as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos; m) «Criminalidade altamente organizada» as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento. Enquadra-se a presente investigação na previsão dos crimes reportados na alínea m) acima. Assim, no caso em apreço, impõe-se averiguar qual o prazo máximo para o termo do inquérito, a fim de se poder averiguar se o despacho que procedeu ao adiamento do segredo de justiça do processo foi proferido dentro daquele prazo, pois é desde logo esta questão que faz divergir as posições em causa. Temos para nós que o legislador, na norma do artigo 276º- 1 do C.P.P., quando se refere aos prazos máximos do inquérito, não quis fixar vários prazos consoante o aparecimento de novos sujeitos ou das suas situações processuais. Daí a expressão “ou” e não “e”. Ou seja, como no caso aconteceu, quando o processo começa a correr contra um sujeito/pessoa determinada- 4/12/2013 e o facto de em 18/11/2014 ( quase um ano depois), terem passado a existir arguidos presos, não significa que o prazo para terminar o inquérito tenha de ser encurtado por via desta circunstância ou passe a partir desse momento a contar-se um novo prazo. Como defende o recorrente nos pontos 81 a 84 da motivação do recurso, o prazo do inquérito em curso, se encurtado pela existência de arguidos presos a partir de 18/11/2014, e com início em 4/12/2013, já teria terminado em 4/8/2014 (ponto 88 da motivação), ou seja, terminou antes da constituição e prisão dos arguidos- e, por isso deveria sofrer assim, na sua perspectiva uma adaptação, situando-se no dia 13/11/2014 (ponto 91 da motivação). Salvo o devido respeito, não vemos o critério da contagem do prazo assim entendido, nem podemos concordar com tal argumentação.[3] Antes nos parece mais razoável a aplicação do critério fixado no Código Civil, quando existem dois prazos sucessivos, sendo aliás este o entendimento também preconizado pelo Mº.Pº. “Sucedendo-se dois prazos aplicáveis a um mesmo Inquérito, sendo um prazo relativo a processo sem arguidos presos e iniciado com a existência de diligências contra pessoa determinada e sendo outro prazo relativo a arguidos presos e iniciado quando a medida de prisão preventiva é aplicada, deve-se considerar esgotado o prazo logo que se tenha atingido o termo final de qualquer dos prazos, isto é, prevalece a contagem que implique "faltar menos tempo para o prazo se completar" como determina o n.° 1 do art.º 29ºº do Código Civil”
Vejamos. -- O inquérito iniciou-se no momento em que corre contra pessoa determinada (no caso em 4/12/2013); -- Em 18/11/2014 são constituídos arguidos e presos os que até aí eram suspeitos; Ou seja, verificam-se nesta última data alterados os pressupostos para a contagem do prazo máximo para o encerramento do inquérito, atento o disposto no artigo 276 do C.P.P. Assim, significa que essa alteração dos pressupostos vai dar início a nova contagem do prazo de inquérito, aplicando-se a todos os arguidos a partir deste último pressuposto mais redutor, mantém-se o prazo anterior já em curso ou contam-se vários prazos em sucessão ou independentes? Não nos parece fácil a resposta, atenta a redacção da norma. Seguro é que o prazo do inquérito não se inicia antes de existir uma pessoa determinada contra quem corra a investigação e, também que, o prazo máximo para o encerramento do inquérito não pode ocorrer antes do momento ou do facto que determina e define esse prazo. No caso em apreço, se atendermos ao prazo de 14 meses (artº. 276 nº. 1 a) do C.P.P.) desde 4/2/2013 (data em que o inquérito corre contra pessoa determinada) obteremos a data de 4/2/2015 como termo máximo do encerramento do inquérito. Se atendermos ao prazo estabelecido no artigo 276 nº. 1 e 2 a) do C.P.P., e tivermos em conta que só em 18/11/2014 se verificou a constituição de arguidos e de presos (pressuposto do prazo mais curto, de 8 meses), então o prazo assim definido para a conclusão do inquérito só ocorreria em 18 de Julho de 2015. A própria letra do preceito em causa permite reter que, desde que o inquérito corra contra pessoa determinada ou em que alguém tenha sido constituído arguido, inicia-se a contagem desse prazo[4]. E isto independentemente de depois disso passar a haver mais pessoas determinadas e/ou constituídas como arguidos, caso contrário esvaziar-se-ia de conteúdo a razão de ser da norma, pois que então estar-se-ia a eternizar os inquéritos, ou seja, a permitir exatamente o inverso do que a lei quis que foi a celeridade processual, ou, noutra perspectiva, a prorrogar os inquéritos quando o prazo legal já terminara. O arguido tem direito a ver definida a sua situação num prazo razoável. No entendimento perfilhado e, ainda porque, dessa nossa perspectiva esta interpretação não colide com as necessidades investigatórias, atento o mecanismo processual da separação de processos, previsto no artigo 30 do C.P.P. que permitirá prosseguir a investigação quando nem sempre os prazos mesmo com prorrogações, permitiram alcançar os objectivos optimizados. No nosso entendimento, ou seja que o inquérito se iniciou em 4/12/2013, data que é até consensual no caso, temos que o prazo máximo do inquérito ocorreu em 4/2/2015, mais curto que aquele que se iniciaria em 18/11/2014, pelo que tanto o despacho que validou a situação do segredo interno proferido em 4/12/2014, como os de adiamento em 5/2/2015 e por força deste, o da prorrogação de 3/6/2015, (de que não foi interposto recurso), correram dentro dos prazos legais, inexistindo a alegada extemporaneidade que os faça enfermar de nulidade ou irregularidade.[5] Sendo ainda de atentar que em 29/4/2015 foi declarada a especial complexidade do processo, fundada no aparecimento de novos elementos de investigação, como se vê da promoção certificada a fls. 352 a 358 dos autos, que precede o despacho judicial respectivo. E, dos elementos remetidos depreende-se que o despacho que fixou a especial complexidade foi proferido após o termo do prazo do inquérito no entendimento expresso, podendo aí ter-se colocado a questão da sua tempestividade (se considerado de caducidade o prazo do inquérito), porém dos autos só podemos verificar que esse despacho não logrou oposição e por isso transitou em julgado. Aqui chegados, temos de concluir, adiantando que ambos os despachos sobre o adiamento e sobre a prorrogação do segredo de justiça, foram tempestivamente proferidos. Sobre os prazos de prorrogação a doutrina e a jurisprudência divide-se e o Tribunal Constitucional já decidiu nestes termos: Acórdão nº 428/2008 de 12/08, que refere que o artº 89º, nº 6, do CPP, «não está condicionado ao limite de três meses, antes devendo ter como referência o período objectivamente considerado indispensável para a conclusão do inquérito, independentemente de este ser superior ou inferior a três meses».[6] Sendo certo que esta questão em particular, não vem colocada no recurso, passaremos agora a analisar a questão das irregularidades imputadas ao despacho de fls. 12533 e não atendidas no despacho recorrido. Entende o recorrente que foi violado o seu direito de defesa, uma vez que não foi ouvido sobre a promoção do Mº.Pº. Não esquecemos o disposto no artigo 61 nº. 1 b) do C.P.P. que concede ao arguido o direito de ser ouvido pelo Tribunal ou pelo Juiz de Instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte. Este direito a ser ouvido não significa, na nossa perspectiva, que o arguido deva ser presente ao Juiz e inquirido, mas antes que se lhe assegure a possibilidade de manifestar a sua posição sobre a questão que o vá afectar com a prolação da eventual decisão. Sobre esta questão do segredo de justiça, a lei nada refere, como faz por exemplo em relação à declaração da especial complexidade do processo (artº. 215 nº. 4 do C.P.P.). Assim sendo, essa manifestação, obtê-la-á o arguido com a interposição do recurso da respectiva decisão, já que, a decisão que adia e a que prorroga o prazo do segredo de justiça é recorrível nos termos gerais do disposto no artigo 399 do C.P.P. (a contrario do artº. 86 do C.P.P.). Neste sentido vai também Vinício Ribeiro quando refere que «o despacho exarado pelo juiz de instrução, nos termos do nº 3, deve ser recorrível, nos termos gerais (artº 399º). O legislador não o taxou como irrecorrível à semelhança do que fez nos nºs 2 e 5»[7] De notar que, no caso, não houve recurso dos despachos “principais”, mas tão só daquele que indeferiu o pedido de declaração de nulidade e irregularidades daqueles despachos. Com efeito, afastada esta faculdade pelo próprio arguido, não se entende que hajam sido praticadas as irregularidades invocadas ao despacho sob recurso. Com efeito as apontadas (pelo recorrente) normas constitucionais e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, servindo os direitos do arguido, “reforçam” as necessidades do segredo da fase do inquérito naqueles casos de investigação de crimes, mais sensíveis quer para a sociedade quer para os próprios arguidos.[8] Assim, o segredo de justiça visando a protecção do próprio arguido, visa também o interesse do próprio Estado na investigação, devendo ambos obter conciliação sensata, sem olvidar que o segundo é um interesse público, naturalmente em supremacia sobre o interesse privado. Aqui chegados, e, tendo presente o regime das nulidades e irregularidades previstos na lei processual penal, nomeadamente, nos artigos 118 a 123 do C.P.P., não vislumbramos que o despacho/ ou despachos em recurso, padeçam de tais vícios processuais, mostrando-se os despachos proferidos devidamente fundados e respeitadores da lei aplicável.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Fixa-se em 3 Ucs. a taxa de Justiça devida. (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa). Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)
Lisboa 08.10.2015
Maria do Carmo Ferreira Cristina Branco
______________________________________________________
[5] 1. A publicidade do processo, mesmo na fase de inquérito, é hoje a regra geral em processo penal – art. 86º nº1 do CPP/revisto. 2. Uma das excepções a tal regra consiste na possibilidade de o MºPº determinar , mediante validação judicial, a aplicação ao processo do segredo de justiça, durante a fase de inquérito – art. 86º nº3 do CPP. 3.Encontrando-se decorrido o prazo máximo de duração do inquérito, o segredo de justiça interno cessa com a entrada em vigor do CPP/revisto, devendo o MºPº requerer o adiamento do acesso aos autos pelo período de três meses – art. 89º nº6, primeiro segmento da norma. 5.Os prazos de adiamento da quebra do segredo interno previstos no nº6 do art 89º do CPP não comportam entre si hiatos: o prazo de três meses previsto no primeiro segmento da norma é um prazo que se sucede ao termo do prazo do inquérito, e o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, a que se refere o segundo segmento da norma, sucede ao último prazo referido. Ac. TRP de 25-09-2013 : I. Do cotejo dos artigos 89º, n.º 6 e 276º, ambos do CPP, resulta evidente que, desde que ultrapassados os prazos de duração máxima do inquérito, os sujeitos processuais, nos quais se incluiu o arguido, terão acesso aos autos, excepto se existir o adiamento de acesso, eventualmente prorrogável. II. Neste contexto, e independentemente da ocasião em que foi proferido o despacho que validou o requerido segredo de justiça, desde que o inquérito corra contra pessoa determinada, ou em que alguém tenha sido constituído arguido, inicia-se nessa data a contagem do prazo de duração máxima do inquérito, independentemente de, depois disso, passar a haver mais pessoas determinadas e/ou constituídas como arguidos. III. O direito que o arguido tem a ver definida a sua situação num prazo razoável não permite se aceite a versão de que o prazo deverá contar-se apenas a partir do momento em que o último dos investigados venha a ser descoberto e, após, conhecido ou constituído como arguido. [6] O legislador não definiu nenhum limite temporal. Um prazo razoável é, na nossa perspectiva, aquele que deve levar em conta a complexidade dos autos (tipo de crime, número arguidos envolvidos, domicílio dos mesmos, perícias requeridas) e, porque não, seguir de perto que a prorrogação deveria ser revista de seis em seis meses, tal como se procede para a avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. [8] O artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem indica que, “ Qualquer pessoa acusada de uma infracção se presume inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”. O artigo 14º nº 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe, “ Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida” e o artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece, “ Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas” |